23/12/2010

Diferenças entre inventar, inovar e criar

Uma angústia tipicamente moderna parece assaltar o profissional de cozinha e, por isso, se estende a todos os que se ocupam da gastronomia: a preocupação com a criatividade.

De repente, por força de uma pressão de mercado ultracompetitivo, ou por um simples sonho pessoal, a realização máxima de um cozinheiro parece residir mais em sua criatividade do que no seu apuro técnico. Não faz muito tempo, media-se um cozinheiro pela capacidade de fazer cópias perfeitas de preparações clássicas da cozinha. Hoje, isto parece já não bastar. E surge a questão da inovação ou criatividade. Convém, contudo, distinguir do ponto de vista gastronômico o que é inventar, inovar e criar.

O cientista aloprado, em seu laboratório, é a imagem popular do inventor. Inventar é assumir todos os riscos de algo insólito, inusitado, que tenha como resultado uma resposta absolutamente nova para uma questão. Santos Dumont (1873-1932) inventou a aviação. Sabemos o quanto foi importante, para ele, o processo de tentativa e erro. Em geral, há mais erros do que acertos em jornadas inventivas e, por isso, são tão poucos os verdadeiros inventores e tão numerosos aqueles que simplesmente “reinventam a roda”. E na cozinha, quem são os inventores? Alguém inventou o fouet (batedor de arame) para bater claras. Antes disso, provavelmente, era quase impossível obter claras em neve com a leveza que elas têm hoje. Mas quem “inventou” a batedeira elétrica?
Certamente a batedeira elétrica é uma inovação, mas não uma invenção como o fouet. A diferença é que a inovação trilha um caminho já aberto, aperfeiçoando-o, adaptando-o às novas condições de vida e de trabalho. O fouet, depois da descoberta e do domínio da eletricidade, chama-se “batedeira elétrica”. A inovação é bem sucedida quando se fixa, quando se torna duradoura. E pode estar impressa tanto em novos produtos quanto em novos processos de trabalho.
Já criar significa trilhar o caminho da invenção num sentido determinado: o de inaugurar percursos conceitualmente novos. Um dia alguém inventou a pizza e, de lá para cá, o que se faz é apenas inová-la, concebendo-lhe novos recheios.

Há quem tente teorizar sobre a criação gastronômica. Ferran Adrià é um deles. E sabemos o quanto ele concentra esforços em seu taller (seu laboratório de criações) para chegar a novos conceitos, como o uso amplo do sifão além do preparo do chantilly ou a técnica de geleificação externa pelo uso de alginatos, conhecida como “esferificação”. Contudo, há na criação um aspecto bastante subjetivo e que precisa se apoiar tanto num domínio técnico sólido quando num processo de tentativa e erro. O sentido de um laboratório gastronômico é não submeter os clientes ao duro percurso que pode ou não resultar numa descoberta criativa. É como o ensaio de uma orquestra antes de se apresentar.

Alguém poderá objetar: no processo musical, o elemento verdadeiramente criativo é o compositor, não a orquestra. É verdade, mas sem criatividade também não se tem um bom maestro ou arranjador. Nem um bom intérprete. Então, há que se distinguir a criatividade conceitual da criação de um estilo próprio, através do qual se pode reconhecer tanto um compositor quanto um arranjador ou executante. O estilo de Miles Davis (1926-1991) é inconfundível no jazz. Ou o estilo de Guimarães Rosa (1908-1967) em nossa literatura, sendo que não foi ele quem “inventou” a língua portuguesa.

Tais considerações mostram como é difícil conceituar com clareza os processos de invenção, inovação e criatividade. Digamos então que, modestamente, cada um de nós gostaria de imprimir o seu estilo ao trabalho que faz. E criar um estilo é deixar sua marca reconhecível.

Um cozinheiro que tenha excelente domínio técnico poderá ser, para a gastronomia, um maestro-arranjador. Um Karajan da cozinha. Se ele se debruçar sobre o seu terroir, criar novas interpretações da culinária étnica ou tradicional, poderá ser uma espécie de Villa-Lobos (1887-1959). Os Beethoven (1770-1827) e os Mozart (1756-1791) serão, sempre, acontecimentos raríssimos na história.

É importante, então, que a angústia de criar não oprima o cozinheiro. Quando ele se deixa dominar por ela, passando a inventar em cada gesto, poderá facilmente entrar em conflito com as técnicas e as tradições, desprezando o valor de ambas e, muito provavelmente, cometendo mais erros do que acertos.

Portanto, o caminho mais seguro é que o processo de tentativa e erro seja sempre balizado pelo domínio técnico e cultural do trabalho a ser feito. Se fosse possível começar sempre “do zero”, os livros de culinária e gastronomia não teriam valor algum, assim como o conhecimento doméstico, acumulado por mães e avós e transmitido, muitas vezes oralmente, a cada nova geração.

[Alex Atala e Carlos A. Dória, Com unhas, dentes & cuca, Senac-SP]

1 comentários:

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