Boa parte dos restaurantes que fazem a atração culinária de uma metrópole como São Paulo procura reproduzir um tipo de culinária estrangeira. No passado, eram frequentes os “italianos”, os “franceses”, os “árabes”, os “espanhóis antigos”; depois, vieram os “japoneses” e, hoje, os “espanhóis modernos” e os “tailandeses”.
É uma variedade muito pequena, se comparada com outras metrópoles, como Nova Iorque ou Paris. Não temos vietnamitas, nem húngaros, tampouco tunisianos, indianos com a profusão popular que se encontra em Londres e assim por diante. De fato, o cosmopolitismo do paulistano não é lá essas coisas, pois depende da existência, no país, de uma forte comunidade estrangeira dessa ou daquela procedência e, sabemos, esse nosso estoque é mais limitado do que das outras metrópoles citadas.
No entanto, gostamos do mito de que São Paulo é a metrópole gastronômica do mundo, pela sua variedade. Mas nós, que não somos funcionários da Paulistur, precisamos pensar mais criticamente. Talvez o nosso apego ao valor da diversidade se deva ao fato de, em nossa história, termos abandonado a cozinha “de raiz” do Estado de São Paulo. Deixamos que, em boa parte, Minas se apropriasse dela e, o resto, simplesmente sufocamos. E diante do que restou como a nossa “identidade metropolitana” temos percepções diversas.
Gostamos do “tradicionalismo” árabe e chinês, mas cobramos modernizações dos italianos, franceses, espanhóis e até japoneses. Acreditamos, por exemplo, que exista uma “alta cozinha japonesa” – coisa de que discorda a maioria dos sushiman. Como os espanhóis, descartamos a culinária exclusiva da paella e do jamon para, em seu lugar, celebrar com entusiasmo a riqueza e diversidade daquele país. Em relação aos chineses, que têm uma diversidade maior ainda, nem sequer os tiramos do gueto da Liberdade para nos darmos conta que a cozinha cantonesa talvez possa ser a menos interessante, do ponto de vista de nossas papilas. Afinal, quem estaria disposto a se despir de preconceitos e comer uma sopa de bucho de peixe?
Também inventamos coisas incríveis, como uma Tailandia da qual nada conhecemos, mas que imaginamos embebida em coco, gengibre,e pimenta e capim limão. E acolhemos de muito bom grado um Japão que nos vem da Califórnia, imaginando que no Japão seja assim mesmo.
Nesse trabalho imaginativo, acreditamos que os mares e rios sejam povoados apenas por salmões, robalos, bacalhau, polvo e vongole. Por isso, por essa pobreza, nos conformamos com o fato de se repetirem em qualquer culinária. Mesmo onde, originalmente, não há.
Mas não admitimos que um quibe seja diferente daquele do boteco da esquina. Não admitimos que o arroz do risoto não seja “al dente”. Nem que falte o creme brullée nos franceses. Acreditamos que em Parma se coma bife a parmegiana ao menos uma vez por semana; que aquele polpetone de certo restaurante seja a comida dos deuses em dia de fuzarca; que a velha Itália seja povoada de braciola, em vez de verduras refogadas ou recheadas; que o creme de leite chegou para modernizar as velhas cantinas, e assim por diante....
Somos uma cidade curiosa: copiamos modificando mas achamos que copiamos autenticamente; comemos em países imaginários e somos pobres em variedade, visto o mundo em sua amplidão, mas achamos que, internamente, contemos o mundo. Somos os provincianos mais universalistas, ou os metropolitanos mais provincianos.
12/03/2011
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10 comentários:
o livro do Jonathan Gold, do LA Times, lista mais variedades culinárias numa avenida da cidade que temos em Sampalândia inteira.
Pois é! Como nasceu essa história do cosmopolitismo culinário de São Paulo?
Ótima reflexão, necessária, mas é um clichê ufanista como outro qualquer. Nos distantes anos 60, Caetano já havia sacado o narcisismo (ou o suposto universalismo provincialista) paulistano e o registrou na música Sampa. Em resumo: o problema não é o entra mas o que sai da boca. Abraço, Marco Merguizzo
Gostei do texto e concordei com grande parte, mas acho que você generalizou e fez uma comparação injusta de São Paulo com metrópoles mundiais, de países que são potências há pelo menos 100 anos, enquanto somos ainda um país em desenvolvimento que já se acha primeiro mundo porque cresceu 10% no ano passado.
É verdade que a mediocridade predomina, mas acho que isso também é verdade nas principais metrópoles do mundo, com seus fast-foods nada frescos.
Enfim...acho que há uma variedade enorme, principalmente se comparamos com o resto do Brasil. Pelo menos aqui, temos a "Liberdade".
Anônimo, não gostaria de ver meu país como "potência". E não é uma condenação sermos provincianos. Abrçs
Gostaria de ler mais sobre essa estória (ou história?) de japonês da California...
Vc deve ler o livro "Moderna cozinha japonesa" e o prefácio tao erudito do Lorençato (Senac,2008) e, mais importante, sentar num balcão de restaurante japones e conversar com os velhos sushiman
P.s.: o livro é de Katarzyna J. Cwiertka
Bem, como não moro em São Paulo, não me atreverei a tecer considerações sobre o cosmopolitismo do supracitado. Mas o Rio não fica muito atrás, não. Porém, sobre o japonês da Califórnia, me sinto a vontade pra falar. Aqui tem gente que senta bem longe do balcão, aprecia sushis onde mal se distinguem os grãos de arroz, só conhecem como "peixes japoneses" o salmão carotenado e o atum, preferindo os primeiros, e, depois de comerem infinitos "hot filadelphias", se orgulham de dizer que gastaram os tubos em um restaurante famoso da zona sul, quando um o-niguiri bem feito, teria muito mais valor.
Nós somos tão provincianos que comida japonesa virou moda apenas depois que teve o boom nos EUA, mesmo com uma comunidade do começo do século XX (a diferença é que nos EUA, o que popularizou a comida japonesa foi fator saúde, já que a comunidade japonesa lá também é antiga).
E agora vem os peruanos, sendo que, quando comi comida peruana pela primeira vez, nem havia restaurante do gênero em SP. E foi bem longe da América do Sul, em Tóquio.
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