Sábado participei de uma mesa redonda com Josimar Melo e Renato Carioni no encerramento do curso de Jornalismo Gastronômico, no Senac - Sto Amaro.
No geral, foi um bom debate, abordando vários aspectos da atividade jornalistica. Mas sai de lá com uma dúvida: afinal, o que nós consideramos que é um restaurante nos dias de hoje?
O foco na cozinha e seu comandante - o chef - é incontestável. A critica se especializa no que chama “gastronomia”, ou aquilo que entra boca adentro, com poucos rodeios. E fiquei recordando um outro modelo de instituição, como era o velho Cadoro ou, em menor escala, restaurantes pequenos, de “turma”, como o L´Arnaque, o Danton, e tantos outros endereços que a dinâmica urbana engoliu.
O conceito era bem mais largo: a comida, a mesa, a iluminação, a música e, sobretudo, os clientes habituais. As vezes até os pratos, e seus nomes, eram definidos tendo-se como foco determinado cliente. Acho que o filé Chateaubriand deve ter nascido assim. No Nabuco, havia um cliente que dizia: “só tomo vinho do Porto aqui. É o único lugar onde é servido na taça correta”. O acerto certamente era por acaso, pois nunca imaginamos vinho do Porto em cálice de licor de forma que pudessemos “escolher”
E havia detalhes que nem todo mundo notava, mas que eram cuidadosos; por exemplo, guardanapos com uma casa de botão, para proteger a camisa dos molhos que, um dia, inevitavelmente, escorrem do garfo.
O manobrista? Era funcionário do restaurante, conhecido pelo nome pelos clientes. Não existia esse negócio de “tercerização”. No Danton, para favorecer o “clima” francês, oferecíamos, como presente, um ou outro cigarro Gitane ou Gauloise. Havia uma dimensão teatral explícita no ambiente que procurávamos criar.
tudo isso pode parecer saudosismo, mas não será só isso. É um raciocínio para se chegar a essa “teatralidade” que se perdeu em quase toda a cena gastronomica paulistana. Pouco a pouco o “econômico” foi se impondo. E igualando o perfil dos restaurantes, o grosso das suas ofertas, o tipo de hospitalidade.
A rotatividade dos funcionários e do público vai tornado tudo mais impessoal; o guardanapo de papel parece obrigatório para dar aquele ar de “gestão realista” de preços; as doses de bebida vão perdendo o “choro” e assim por diante.
Dai, então, o jornalismo passa a achar esse reducionismo a coisa mais natural. Olha só a comida, o ponto da carne, se os legumes estão “al dente”, assim como o risoto ou a massa. Informa se tem cartão de crédito, manobrista, horário de funcionamento e só. Nem se da conta de que os restaurantes hoje só fazem reserva no horário esperto em que a casa ainda está vazia. Associam-se ao engodo, mesmo sem saber. Simplesmente não reparam no que não passa pela panela.
Restaurar a integridade do restaurante - dos contornos de tudo aquilo que favorece o conforto e o bem estar num ambiente público - é uma necessidade para que o jornalismo gastronômico possa crescer e se “profissionalizar” no bom sentido da palavra.
O restaurante nasce de uma idéia de alguém, passa por uma interpretação de arquitetura; de decoração de interior; pela escolha dos móveis e utensílios; pela escolha e treinamento do pessoal de salão e de cozinha; pela escolha das bebidas (não só dos vinhos); pelo cardápio; pela execução dos pratos e - em consequencia de tudo isso - pelo peneirar lento e contínuo da clientela fiel.
Só após esse longo ciclo ele será essa instituição votada ao prazer de comer e conviver. Terá uma identidade e exercerá um apelo quase irresistível. Terá muito mais chances de durar do que essas casas passageiras que não conseguem se ver senão como “operações” de venda de comida “posicionada” pelo preço.
O jornalismo gastronômico ganhará muito em utilidade ao restaurar a visão “holística” do seu objeto de análise.
25/05/2011
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6 comentários:
Mestre,foi uma honra te-lo no final do curso de Jornalismo Gastronômico - neste último sabado.Aliás, tivemos momentos de intensa inspiração dos que passaram por lá como o próprio Josimar, o Arnaldo ( que por sinal, é o aniversario dele hoje),Cesar Adames, Fatima Freire e entre outros.+ que grato!
Fiquei e ainda estou curioso para saber o destino do nosso Serra da Canastra...posso continuar torcendo ou engaveto de vez a esperança?
forte abraço, Julio
Carlos,
Sou um novo fã! Achei seu texto absolutamente fantástico e refletor da realidade gastronomica.
Afinal, tem coisa mais gostosa do ter uma experiencia maravilhosa em um restaurante?
Não existe como medir um restaurante somente pela sua comida, isso é um erro....brutal!
Parabéns!
Oi, Doria, muito inspirador o texto. Certamente, o apelo comercial tem pesado mais que o conceito afetivo no mercado paulistano. E o jornalismo gastronômico precisa dar sua contribuição na busca e divulgação de valores como a "alma", personalidade, charme...
Oportuna observação sobre a "reserva no horário esperto". Em NY, por exemplo, praticamente todos os restaurantes aceitam reservas para todos os horários, da abertura ao fechamento. Me pergunto sempre, estariam eles distantes da gestão realista? Como não consigo e nem tenho fome para jantar às 20h, sou obrigado a jantar no começo da semana.
Mestre,foi uma honra te-lo no final do curso de Jornalismo Gastronmico - neste último sabado.Aliás, tivemos momentos de intensa inspiração dos que passaram por lá como o próprio Josimar, o Arnaldo,Cesar Adames, Fatima Freire e entre outros.+ que grato!
Fiquei e ainda estou curioso para saber o destino do nosso Serra da Canastra...posso continuar torcendo ou engaveto de vez a esperança?
forte abraço, Julio
Adorei seu olhar diante do jornalismo gastronômico. Acaba de ganhar uma nova leitora!! Um grande abraço Waléria Pereira
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