10/05/2011

Sobre "tapear"

Quando vemos por aqui a profusão da segunda onde culinária espanhola, aquela que procura ferir camadas mais profundas do iberismo, em geral damos de barato que “tapas” são uma espécie do genero finger foods, ou petiscos. Muitos restaurantes oferecem “tapas” como entrada, como se fossem uma variante das bruschetas. Ou seriam o sushi ocidental, substituindo-se o arroz pelo pão?

Nada disso parece satisfatório. Falta a motivação para a reunião onde o consumo de tapas seja uma consagração culinária; falta compreender que tapas não são um alimento como um prato qualquer, mas um ritual social que congrega amigos num espaço onde o comer é o mais informal possível, a coisa mais “paralela” sem contudo ser indiferente.

Há uma arte em se fazer e oferecer tapas. Por isso são tantas as “taperias” na Espanha: tantas as soluções culinárias e tantos os grupos que, se identificando com uma delas, cimentam seus laços reunido-se sempre no mesmo lugar, anos a fio. Mas é preciso um tanto de observação para se dar conta de que não são um genero de finger food e, sim, um modo de vivência urbana.

Em Donostia (San Sebastian) há uma rua toda dedicada às taperias. Cada um sabe, nela, qual o seu lugar. E dava gosto ver, no último dia 29, que havia taperias bascas e outras totalmente catalãs, no dia do grande jogo no qual o Barça saiu perdedor. A “rua das tapas” é o expediente que acomoda toda essa situação sem conflitos maiores.

O importante nas “taperias” é a informalidade. Chegar a qualquer hora, acotovelar-se, reconhecer um amigo e ser atendido quando chega a sua vez. Raramente há onde sentar. Ela garante a vitalidade do microcosmos, da sociedade de amigos, mesmo na grande cidade.

Mas nas grandes cidades, como em Barcelona, já há taperias falsas e verdadeiras. Aquelas para os turistas, por exemplo, podem manter a informalidade, mas não a alegria da congregação de amigos que se encontram. Há varias delas espalhadas pela cidade.

Mas agora há uma nova taperia, a Tickets, de Ferran Adrià. Cheguei cedo, bem cedo, e não consegui passar da porta. Recebido por um sujeito vestido de libré e cartola, simulando algo de outro tempo, fui informado que “hay que reservar. Estamos plenos por los proximos tres meses”.

Fiquei observando do lado de fora, através do vidro, como nas vitrines de algum filme de Chaplin. Lá dentro, um ambiente chique-clean, tudo branco. As pessoas vestidas para um jantar mais formal, sentadas em suas cadeiras em balcões como de sushi-bar. Garçons traziam as ditas “tapas” modernas, dispondo-as diante dos clientes, desdobrando-se depois nas clássicas explicações.

Leio as frases de Adrià, em catalão e castelhano, estampadas nas vitrinas e enaltecendo a cultura das “tapas”. Fico pensando, sem alcançar o porque, dele ter “desconstruido” uma instituição tão sólida para apresenta-la ao mundo gourmet como a última novidade. Não provei das neo-tapas, mas para que elas viessem ao mundo, está claro, foi preciso destruir a informalidade, o improviso; criar barreiras onde não passam aqueles que, “civilizadamente”, não se deram ao trabalho de reservar uma mesa...

Parti de lá para uma solução clássica: a “taperia” Quimet & Quimet, fundada no inicio do século 20, já na quarta geração da familia, sempre no mesmo lugar. Sobre ela falarei outro dia.

2 comentários:

Rubens Ghidini disse...

Sim, sim, a gastronomia, ou a culinária regional, que seja, é um movimento cultural, uma razão de existir, a identidade de um lugar ou de um tempo. Sushis ocidentais, finger foods, ou taperias não possuem lugar em lugar algum. Um grande abraço, Professor.

Ricardo Neves Gonzalez disse...

Concordo plenamente com você Dória. As ´tapas`não podem ser consideradas um prato em si, pois que são variedades, como os petiscos aqui. Sou descendente de Espanhóis. Entendo que na Espanha, que só dorme depois da meia-noite principalmente nos grandes centros como Madrid, este sistema de neo-tapas do Adriá não estão com nada. O bacana de se sentar à mesa para degustá-las é exatamente a informalidade poder faze-lo a qualquer hora, do dia ou da noite, quando ´der na telha `. É o querer e poder degustá-las a qualquer hora. Ninguém em sã consciência gostaria de sair da Praia em Ipanema convidar os amigos para um chopp e uma rodada de bolinhos de bacalhau no Bracarense e ser barrado na porta sob alegação de que vagas ali, somente para tres meses. Sem essa!!

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