A capa do Paladar traz um arremedo urbano das florestas geladas da Lapônia onde os chefs, como chapeuzinhos vermelhos, saem a colher ervas selvagens e outras coisas aparentemente extra-culinárias para fazerem seus pratos. A turma do René Redzepi em ação. Só que aqui, nos sugere o Paladar, deve-se olhar as frestas das calçadas e muros da cidade. Matinhos comestíveis e até as formiguinhas de Dna Mara Salles. É uma matéria feita na Lapa, com a capitã-do-mato Neide Rigo. Por tanto minimalismo, poderemos dizer aos chefs desorientados da época pós-Adrià: “vão catar matinho!”, em vez do antigo “vão catar coquinho!”. E poderiam experimentar, além do Alto da Lapa, calçadas de Parelheiros. Como sempre, o texto elegante de Olivia Fraga, que nos faz ir até o fim, mesmo quando sabemos que desse mato não sairá prato.
Já Comida prefere a segurança da efeméride: festas juninas, com o milho ao centro. Em poucas linhas, Luiza Fecarotta dá o recado com exatidão, moderando o ímpeto folclorizante da pauta. O resto, fotos bonitosas. Mas me dá arrepio ver comida em copinhos plásticos! É o cão de calçola!! Segue a matéria com roteiro de onde há festas e onde há quitutes juninos. Inclusive coisas que só existirão a partir de amanhã; mas, como sempre, parecem esquecer o Brasil a Gosto, onde está em vigor o cardápio paulista.
Boa matéria didática sobre copos adequados a cada bebida. Só estranhei o de jerez. Na vida real espanhola tem também versão diferente, que acho mais elegante (menor, haste mais longa). Patricia Jora, a substituta de Jorge Carrara, apresenta uma entrevista com Benoît Gouez, da Moet & Chandon, que atravessou o Atlântico para “estimular os brasileiros a beber mais champagne”. Para ajudá-lo, a moça levanta várias bolas para que chute em gol. Não gosto muito dessas entrevistas onde o entrevistador pergunta coisas que já conhece a resposta...
Contraponto: matéria de Josimar sobre a degustação às cegas, que “reduz erro de avaliação” dos vinhos. Será? Jose Peñin me disse certa vez que os vinhos estão ficando tão iguais no mundo todo que esse recurso já vale muito pouco. E eu me pergunto: por que eliminar os elementos de marketing, a cor do vinho, para concentrar o juízo no aroma e sabor? O vinho moderno não é essa coisa multifacetada, colorida, que nos sugere um modo de vida mais do que um simples registro gustativo e olfativo?
Josimar foi ver se o Pomodori se aprumou na era pós-Jeferson. Constatou que ainda está “em transição”, e garante que restaurantes “não ganham três estrelas da noite para o dia. Tampouco as perdem assim”. E diz que continuam lá “delícias como o ravioli de lagostim ao molho de lentilhas du Puy”. Mas Jeferson continua a fazê-lo, agora no Dna Onça, no gostoso ambiente do “centrão”. E nas mesmas lentilhas de Puy mergulha o magnífico cotechino di Modena, embutido cuja receita tem o dedo de Pedro Martinelli.
Aliás, tanto Paladar como Comida registram o aparecimento do livro sobre embutidos do amigo Breno Raigorodsky. Livro esse onde se pode encontrar receitas de preparação com cotechino. Uma delas, embrulhada em presunto, parece muito apetitosa.
Ainda ficando no “centrão”, temos que Josimar resenha o Piazza 36, do Renato Carioni. Gosto da cozinha dele, e igualmente dos passos que dá em direção ao marco zero da cidade. Gostei da cozinha do Piazza, com os descontos de fase de implantação. Só achei o ambiente um pouco frio, requerendo um esforço de decoração.
Aliás, sobre esse assunto, louvo a matéria de Luis Américo que começa a resenha sobre o Rodeio do shopping Iguatemi falando da arquitetura de Isay Weinfeld. É preciso que os criticos de restaurantes avancem por ai. Ninguém é imune à arquitetura. Isay é talvez o arquiteto mais importante de hoje a dar fisionomia à cara sempre mutante de São Paulo. Se deixar solto, correr atrás do gosto das classes afluentes, dá sempre Julio Neves na cabeça!
Matéria de arrepiar mesmo é “Multas da Vigilância Sanitária vão ser abertas para consulta”, no Comida. O higienismo em moda, que quer deixar o mundo todo, inclusive o da higiene intima, com cheirinho de morango e camomila, dá mais um passo. Simplesmente me horroriza ver atendentes de lanchonete com luvas, máscaras cirurgicas, toucas, para nos servir batatas fritas que já chegam cortadas ao estabelecimento. Pepinos espanhóis, limpinhos em princípio, andam voando baixo e vitimando vegetarianos na Alemanha.
Enfim, de que “higiene” nos fala o Estado? A Vigilância Sanitária de São Paulo é aquela mesma que proibe ovo cru em restaurante? Que proíbe tinta epoxi e só aceita azulejos? Como sempre, o exemplo parece vir dos Estados Unidos. O que é bom para os americanos deve ser bom para nós. E o “nanny state” (estado-babá) cuida da gente lá e cá. O babysitterismo avança! Agora fará contra-publicidade dos restaurantes onde houver pêlo em ovo. Tudo em “defesa do consumidor”, esse imbecil que não sabe o que quer e o que pode, segundo o Estado.
02/06/2011
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2 comentários:
Sobre o higienismo: e quando, usando máscara, o fazem deixando o nariz de fora? Sem mais...
Dória, meu caro, capitã-do-mato?
Achava era bom você explicar melhor a escolha desta expressão pois ela deixa um gosto amargo no fundo da garganta... Mas, as vezes, a coisa já está mais do que explicada em si mesma...
C.
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