27/06/2011

O acaso e a cozinha

Pode o acaso gerar uma necessidade? A ideia de usar microondas para cozinhar alimentos foi descoberta por acaso por Percy Spencer que trabalhava na empresa Raytheon, fabricante de radares. Aquela mesma empresa que se viu envolvida no escândalo do Sivam - o sistema de vigilância por radar, para monitorar a Amazônia.

Há quem diga que ele foi descoberto por acaso durante a Guerra da Coréia (1950-1953), mas a paternidade atribuída a Spencer remete a 1946, embora o acaso continue presente na história. Ele estaria trabalhando num aparelho de radar quando notou que uma barra de chocolate no seu bolso havia se derretido completamente. Chegou, então, à compreensão da propriedade física daquela forma de ondas emitidas pelo aparelho.

Em 1947 a Rayteon patenteou o primeiro forno, que tinha quase 2 metros de altura e pesava 340 quilos. Nos anos 1960 ele foi posto no comércio na forma que o conhecemos hoje.
A radiação do microondas se dá pela formação de um campo eletromagnético que produz a fricção das moléculas de água, fazendo-as liberar o calor que se transmite às demais moléculas do alimento. São ondas que penetram o alimento até 5 cms de profundidade, resultando em efeitos diferentes segundo a variação de tamanho e tempo de exposição.

Muita gente acha estranho que asse sem “dourar”, mas o dourar depende da quantidade de gordura e, de novo, do tempo de exposição em relação ao tamanho da peça. Por exemplo, fatias de bacon douram perfeitamente, ficando crocantes. Ele também tem sido usado para fazer bolos e pudins, torrar grãos, preparar arroz, cozer carnes de vários tipos, etc.

Sei, por experiência própria, que ele destrói massas, amolecendo a que antes era crocante. E este é um uso muito comum em restaurantes, talvez contribuindo para o seu baixo conceito. E ouvimos referencias sobre os usos domésticos mais comum: estourar pipoca, aquecer leite e água, descongelar rapidamente alimentos, aquecer um prato feito...

Um amigo gourmand me contou, em tom de segredo (afinal, não é coisa que se diga abertamente), que as trutas feitas no microondas ficam ótimas: úmidas e melhores que em outros métodos de cocção, como pochê, assadas ou na frigideira. Experimentei e gostei, embora não seja fã de trutas em geral.

A impressão que me fica é que este equipamento, por não ter surgido graças a necessidades próprias da culinária - como a batedeira elétrica ou o Termomix - tem dificuldades para se inserir nos processos de transformação mais corriqueiros. Por outro lado, é o primeiro “invento” culinário realmente original do século XX, equiparável em potencial ao que é hoje a Termomix. Digamos que o microondas é a “termomix dos anos 1950”.

Esse vir de fora para dentro da cozinha, esse “sem-lugar” que parece ser o seu pecado original, produz a curiosa situação de emular coletâneas de receitas “para microondas”, quando o ideal seria que qualquer um pudesse escolher fazer o seu produto preferido também nessa ferramenta culinária.

Mas se os fornos de microondas são, domesticamente, usados para estourar pipocas, esquentar leite e descongelar comida, por que raios ele figura há tanto tempo como um item fundamental de uma cozinha doméstica, tendo se integrado perfeitamente ao conceito de “linha branca”? Quantas cozinhas você conhece que não o possuem?

Suspeito que haja no microondas uma função simbólica mais importante do que a função prática. Ele demarca, por exemplo, o que não foi cozido simplesmente com “tecnologia”, mas, sim, com amor e carinho, como as mães e a publicidade gostam de dizer. Mesmo quando a mãe põe o prato requentado no microondas diante do proletário de colarinho branco que, após o trabalho, faz o seu MBA - o seu filho - este teve apenas a função de reavivar o carinho materializado em algo que se fez fora dele. Como a antiga mamadeira do marmanjo de hoje.

Seu uso pleno - e é possível imaginar uma cozinha só com ele e sem o fogão - sequestra da cozinheira doméstica vários gestos “necessários”, fazendo-os parecer, por contraste, uma perda de tempo. Ora, são justamente estes gestos que precipitam no prato a intenção, o “cozinhar para alguém”. A impessoalidade do microondas parece produzir, inversamente, uma comida “sem alma”. Dai se entende a sua presença imperiosa em quase todas as cozinhas domésticas: ele está lá para frisar, por contraste, a “humanidade” do cozinhar no velho fogão.

O forno de microondas, inativo, é um monumento a atestar o silenciamento da técnica que nos rouba o “calor” da cozinha doméstica. Ele é um contraponto importante. É uma vergonha alguém que só utilize microondas. Por isso, esquentar água ou estourar pipocas não deixa de ser um mero oportunismo. O forno microondas veio ao mundo, por acaso, para ajudar a revelar o nosso caráter na cozinha.

2 comentários:

Adrina disse...

Quando eu era criança, nos anos 80 e numa cidade pequena no interior, ter um microondas em casa era símbolo de status. A minha família era muito pobre e não tinha. Quando eu já era adolescente, minha mãe comprou um; ela diz que é o maior relógio de cozinha que ela já teve. Eu não tenho na minha própria casa, porque realmente acho que não serve pra nada.

Anônimo disse...

Eu faço muita coisa no micro. Minha receita predileta é uma polenta de microondas que é maravilhosa... 12 minutos partindo do nada, cremosa ou mais durinha para fritar...
Polenta de microondas:
4 xícaras de água fria
1 1/2 xícaras de fubá
2 colheres de azeite
Sal e temperos a gosto. (eu gosto de alho picadinho)
Misturar todos os ingredientes. Forno de micro na potência alta por 6 minutos. Mexer. Mais 6 minutos na potência alta. Enformar. Esfriar. Cortar e fritar.
Para a cremosa, utilizar só uma xícara de fubá e ao final acrescentar 2 colheres de sopa queijo cremoso de preferência...
Espero que prove e goste!
Eliane (@elii_sa)

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