22/06/2011

Diálogo surdo com o pâtissier que há em você

Imagine que você é um chef dentro de uma cozinha e tem, para fazer sua sobremesa, apenas leite, creme de leite, ovos, açúcar, farinha e leite condensado. O que você faria?

O creme chantilly, talvez a idéia mais simples, vive o estigma de ser excessivamente “gordo”. Claro, todo mundo gosta de se lambuzar nele. O que depõe contra o comensal, não contra o creme. Mas morangos com chantilly são uma tentação. Se o creme estiver azedo, vai bem com tortas secas, batido em ponto anterior ao chantilly. O creme chantilly é uma emulsão simples, assim como o creme levemente batido.

Hervé This nos ensinou que as emulsões começam pelo próprio leite como ele vem ao mundo. E que não há diferença entre emulsões doces e salgadas, razão pela qual o ensino delas está equivocado: ensina-se na cozinha e na patisserie a mesma coisa, sem que os ilustres professores culinários se dêem conta da cacofonia pedagógica.

Os cremes são emulsões que cairam em desuso na culinária moderna. Foram substituídos em geral pelas reduções e caramelos, ou assumiram a forma extremada de “espumas”, onde pravalece o ar insuflado. Recuaram, e só se apresentam confortavelmente brûlée: creme brûlée ou, na versão mais bom-mocista, crema catalana.

Mas, tomando apenas os seus ovos e açúcar, você poderá preparar ovos nevados: as claras batidas, cozidas em leite adoçado que, depois, se engrossa com as gemas.

Se sobraram gemas, você pode tentar uma baba de moça. Pode inovar, reduzindo drasticamente o açúcar. Fica uma delícia.

Pode também, em dia de maior inspiração e vontade de trabalhar, fazer inúmeras tarteletes, forradas com creme patissiere e frutas frescas.

Mas não! Você está em dia de coisas rotineiras e simples. Não quer muito trabalho. Um pudim de leite, crème renversée ou que nome tenha já basta: 8 gemas, 4 ovos inteiro, um litro de leite e açúcar. Banho maria.

Em dias especiais você pode querer algo mais classudo, como o creme zabaglione. Ele tem como ciência a sustentação do vinho em cocção perfeita para que a emulsão não desmonte. Pode, depois, ser levemente gratinado. Por exemplo num prato raso de frutas, como morangos cortados ao meio. Fica bonito e equilibrado.

Os que comiam morango com chantilly abandonarão esse vício, desde que aprendam a bater um zabaglione. Fica muito bom também só o creme, sobre o qual se dispõe nozes picadas. Sobremesa tradicional, comum na vizinha Argentina.

Calor? Bem, gemas de ovos batidas com açúcar, misturadas ao leite e engrossadas ao fogo. Levadas ao frio para fazer sorvete de creme. Se você não tem maquina de sorvete dá um pouco mais de trabalho, mas não é impossível

Você gosta dessas idéias, não é? Então, me responda: por que diabos todo dia, quando entra na cozinha, afasta essas idéias da mente e só pensa em abrir a maldita lata de leite condensado? Não entendo...

1 comentários:

Mau Marques disse...

Muito bom esse final!

Lembro que na faculdade de gastronomia fui ver a primeira lata de leite condensado somente no módulo de cozinha brasileira, da para acreditar?
hehehehehehe

Postar um comentário