11/08/2011

Leitor de 5ª - rumor de facas

Há uma peça de Garcia Lorca onde uma personagem, a mãe, entra em desespero porque o filho compra uma navalha sevillana. Ela prenuncia a desgraça sobre a família. Seu argumento é simples: a navalha traz a morte inscrita em sua lâmina. O que está inscrito em cada lâmina das facas de cozinha? Quais os seus principais tipos? Está lá no Comida, em matéria de Marilia Miragaia e Priscila Pastre-Rossi. Excelente tema. E as autoras nos levam a pensar na faca como o cetro do poder na cozinha. Arma branca e instrumento de trabalho. Algo fálico também.

Simbolismo que não apaga a oportunidade de aprender sobre um universo onde a dona de casa não sabe se mover. Pensa que a boa faca é a Guinzo, que não perde o “fio” (porque não tem. É um serrote em miniatura, não uma faca).

Um erro de legenda: “faca de trinchar”. Tipicamente erro de tradução, pois a faca que aparece é de fatiar presunto, rosbife (de tranche em francês ,ou slice em inglês), existindo também a de fatiar salmão defumado, que é um pouco distinta. Mas “trinchar”, em português, é outra coisa: cortar em pedaços, separando as partes. Usa-se "tesoura de trinchar" nesse caso.

O panorama sobre os “faqueiros” é pobre. Um artesão, autodidata em cutelaria, é o personagem principal. Mas onde foi parar o senhor Zhakarov nessa história? E as facas Arkhip, do seu filho-dissidente? Essa gente que trouxe a cutelaria russa para São Paulo e dominou a cena por longos anos, antes da “abertura dos portos para as facas amigas”. E o que faz o Seo Wessel ali, em enorme fotografia? Wessel vende carne, é açougue, não cutelaria. Ele compra facas. Melhor seria perguntar-lhe quais as qualidades de facas que mais aprecia. Mas, só foto. Nem uma palavra.

Colunas? Você se lembra daquela menina que substituiu o Jorge Carrara? Pois hoje ela conta, de modo até bonitinho, como conheceu o vinho da variedade riesling. Para ela, são vinhos “vibrantes em acidez” e com uma “mineralidade intrínseca”. Eu não faço a menor idéia do que seja uma “mineralidade intrínseca”. E quando ela indica alguns vinhos, cita um com “acidez nervosa”. Nesse ponto, o leitor vai ficando, ele mesmo, nervoso, para acabar com uma dúvida crucial: o que é “aroma bastante mineral”? Você, leitor, sabe qual o aroma do tungstênio? Do urânio? Nunca pensei que a tabela periódica fosse de cheirar... Bem, esse vinho misterioso tem no Bistrô Charlô. Vamos combinar que quando Jorge Carrara indicava importadoras era bem melhor? Ou mudou tanto o Charlô que anda importando?

Thiago Castanho estreia na coluna “Fogo alto”. Explica, mais uma vez, o processo de salga do pirarucu, como havia feito no Paladar - Cozinha do Brasil. Texto bem escrito, diga-se de passagem, indicando que é importante “que o cozinheiro pense”. É o que nós, leitores, sempre esperamos que aconteça.

Ao ler a coluna do André Barcinski, temi pela sua vida. Ele acha que aprendeu a fazer sushi (em três aulas apenas!). Como é “do contra”, acha também que deveriamos comer os peixes brasileiros. Ok. Depois, ele se pergunta: “E o baiacu? Considerado iguaria no Japão, é desprezado por essas bandas. Custa metade do preço da sardinha. Mas a carne é deliciosa.” Diz, na chamada da matéria, que é melhor que linguado.

Ok que ele queira ver a luta de classes nos peixes, mas pessoas morrem todos os anos no Japão por comerem sashimi de baiacu com o veneno do dito cujo. O veneno está nas ovas, no fígado, no intestino e na pele do peixe. Só sushiman licenciado pode manipular o baiacu. Mesmo assim, repito, morre gente. Talvez a grande emoção seja a sensação de ser sobrevivente. Uma espécie de roleta russa à mesa. Será que Barcinski sabe disso? Acreditar na “baixa gastronomia” pode levar a armadilhas fatais, pois, de verdade, sushi de baiacu é altíssima culinária japonesa e não é para aprendizes de feiticeiros. Você, leitor, não morra pela boca só porque anda de saco cheio da “alta gastronomia”.

Excelente cronica da Nina Horta, que foi investigar o vocabulário de cozinha dos estagiários, que criam uma espécie de esperanto do fogão. Vamos ver se ela desenvolve mais o tema, como fez com o das empregadas.

Paladar dá capa para uma arqueologia do uísque. Bebida de 1907 encontrada na Antártida. Coisa que interessa a colecionadores, talvez. E Luiz Horta, aproveitando o embalo, faz uma arqueologia de vinhos brasileiros. Parece que tem vinho que com 20 anos de guarda fica bom. Você tem paciência para esperar tanto? Além dessa visita a velharias, bastidores do Paladar - cozinha do Brasil que também vai ficando velho.

No Paladar, muito anúncio. Página dupla do Pão de Açúcar. No Comida, bem pouco: meia página do “Bolinha”. Lembra da feijoada deles? Essa mesma.


2 comentários:

Bruno disse...

Carlos, o fugu não é comido como sushi (pelo menos nunca vi assim no Japão), mas como sashimi e sukiyaki. O risco, a roleta russa, é mais algo para romantizar o prato que um fato. Os que morrem envenenados geralmente são pescadores sem instrução e gente que come por acidente. Não existem casos de óbitos nos restaurantes licenciados para servir fugu e inclusive a iguaria tem um 3 estrelas Michelin dedicado só a ela, o Usukifugu.

Caio V. Z. C. disse...

Até onde sei, o baiacu que se come no Japão e o que se come aqui são espécies totalmente distintas e só o de lá teria o veneno neurotóxico. Vou tentar pesquisar mais a respeito.

Saudações

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