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A Assembléia de São Paulo aprovou ontem a “lei antiabuso” do couvert: ele será, necessariamente, “individual”, cobrado apenas dos clientes que consumirem essa “abertura” da refeição, independente do número de pessoas à mesa.
Já fico imaginando as discussões futuras: comi, não comi; eu só belisquei o pão; experimentei mas não comi porque estava ruim, e por que vou pagar?
É mais um avanço do babysitterismo, como aquele, da tentativa de proibir a venda de bananas em dúzias, como se faz secularmente, para impor a venda por quilo nas feiras livres.
Isso tem pouco a ver com a culinária; muito com a inutilidade crescente das Assembléias Legislativas face ao poder contrastante do Congresso Nacional e das Camaras Municipais. Pouca coisa relevante se decide nos legislativos estaduais e, então, começam a legislar sobre a minúcia. Parte daquilo que Lenin chamava, com razão, de “cretinismo parlamentar”.
O grave é o avanço do babysitterismo, que assume que o cidadão não é capaz de administrar seus próprios interesses; que a sociedade não é capaz de regular os conflitos surgidos naturalmente na atividade comercial e assim por diante. A “defesa do consumidor” não precisaria de legislação complementar se todos lutassem pela sua estrita observância. O couvert é abusivo? Não pago! Não volto ao restaurante, e pronto!
Pessoalmente, penso como Josimar Melo na Folha de hoje. Bastariam pão e manteiga. Acrescentaria água. Tudo isso por uma taxa pequena, e por serviço de mesa. O mais, me parece um tiro no pé: os proprietários, ao enriquecerem o couvert, estimulam o cliente a abrir mão das entradas.
Gosto também do modelo que Vitor Sobral adota na Tasca da Esquina: várias coisas à mesa, preço especificado no cardápio para cada uma, só cobrando o que o cliente efetivamente consome. Se você não comeu o bolinho de bacalhau, por que irá paga-lo, ora pois? Mas os nossos deputados-babás não possuem essa sabedoria portuguesa nos seus devaneios sobre como enchouriçar a vida dos donos de restaurantes e cidadãos que, como diz Luiz Américo Camargo, “só queriam jantar”.
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Dois - cozinha contemporânea, fechará as portas no domingo, dia dos pais. São uns garotos batutas, o Felipe e o Gabriel. Generosos, dizem que voltarão à carga em 2012.
Esse negócio de fazer uma coisa que possa ser lida como de “vanguarda” não é fácil. O Pierre Gagnaire abriu e fechou dois ou três restaurantes antes de ocupar a atual posição no ranking dos cozinheiros como inovador importante.
A dinâmica da cozinha é assim: tem gente que inventa, e gente que copia. Gente que cria, gente que vulgariza. Nenhum é mais importante do que o outro, do ponto de vista das nossas papilas gustativas. Mas o mais difícil é ir contra a maré, criar. O risco é só seu, o público não quer muito partilhar. Se não gostou de algo, pensa: “não volto mais”. Mas aquele algo não estará mais lá também, pois o experimentalismo da criação é dinâmico. Fica o vazio, a interrupção da comunicação.
O Dois teve momentos altos e momentos baixos. Mas teve uma característica única na cena paulistana, demasiadamente acomodada nos sabores fáceis da Nutella e do de leite condensado. O Dois trabalhou para romper paradigmas. Mas isso só não bastou.
No Paladar - cozinha do Brasil, Felipe e Gabriel mostraram um criação interessante: “cajuinas” de outras frutas que não caju, usando a técnica de pasteurização de sucos clarificados. Faltou, talvez, criarem coisas mais elaboradas sobre essas novas bases: sobremesas, gelo para caipirinha, sei lá! A gente, do lado de cá da cozinha, preguiçosamente, quer coisas prontas. A gente somos, não inúteis, mas passivos.
Mas esses dois jovens, não param. Ou melhor, vão dar uma parada para recuperar o fôlego e continuar na luta. Vão ter que fazer algumas concessões ao senso comum, para o público continuar a financiar as suas investigações.
Há que louvar também reafirmarem que não abandonarão a pesquisa dos ingredientes brasileiros. Isso é fundamental para o futuro da mesa brasileira. Eles já deram mostra de experimentos com o iquiriba tão interessantes como os que Atala fez com a priprioca, ou Helena Rizzo e Thiago Castanho com o puxuri. São os nossos temperos, os nossos aromatizantes, abrindo alas para chegar à mesa.
Precisamos desses rapazes. Aguardamos a volta com vivo interesse no que nos oferecerão!
12/08/2011
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3 comentários:
Vejo que esta questão do couvert dividiu mesmo as opiniões. Quem tem ou já teve restaurante (como é o caso do titular deste blog) ou quem tem muita proximidade com os proprietários de restaurantes (caso dos críticos gastronômicos) achou a lei abusiva, desnecessária, equivocada. Já os que são apenas clientes de restaurantes (meu caso e de muitos amigos com quem conversei sobre isso) acharam a lei muito oportuna. O fato é que boa parte dos restaurantes constrange e explora os clientes com o serviço de couvert da forma como funciona hoje. Por que o garçom não pergunta se eu quero o couvert antes de depositar a coisa compulsoriamente na minha mesa? Sou obrigado a passar pelo constrangimento de pedir para ele retirar? E por que o restaurante tem que cobrar por pessoa? Não pode cobrar por porção, por mesa? Afinal, as quantidades de couvert servidas para uma, duas e até seis pessoas são quase sempre as mesmas. Eu não quero deixar de ir aos restaurantes que gosto por causa da mesquinharia de seus gerentes. Eu quero apenas que os restaurantes me respeitem. Se é preciso uma lei para isso, então eu aplaudo esta lei. Como aplaudi a lei que tornou os 10% cobrados no final da conta facultativos e não obrigatórios como queriam os donos de restaurantes. Não fosse a legislação, a vida de nós meros mortais consumidores seria um inferno gerido por empresários sem escrúpulos.
O restaurante Fasano já foi criticadissimo pelo preço de seu couvert, que se compõe de pão, grissini e uma manteiga de comer rezando. O que me incomoda não é o couvert em si, e sim a qualidade dele, geralmente pífia, salvo raras excessões . Eu não me incomodo em recusar o couvert quando não o quero, e inúmeros restaurantes de SP perguntam se o cliente aceita ou não este. Legilslar sobre o desnecessário parece ser pratica usual entre a classe política brasileira.
Forte abraço
Não deve ser moleza segurar o tchan de um restaurante contemporâneo numa São Paulo cheia de trejeitos e vícios... Pena.
O ideal seria eles voltarem a carga fora de SP, quem sabe no litoral, num canto bacaninha e escolhido a dedo do interior, ficarem próximos aos produtores, experimentarem diariamente e atrairem o povo interessado até eles...
O modelão vigente em SP é cruel com jovens talentosos e inovadores... e insuportável para quem simplesmente busca um cantinho para experimentar uma boa refeição.
C.
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