22/09/2011

Leitor de 5° - O que é uma tratoria paulistana?

Comida destaca, na capa, as cervejarias artesanais que pipocam Brasil afora. Usam guaraná, laranja, bacuri, etc no fermentado. Isso parece bacana, a julgar pelo interesse do público. Pessoalmente não sou muito de cervejas, muito menos dessas experiências tropicais. Prefiro uma velha e boa Urquell pilsner.

Mas a matéria é bacana, e enseja oportunidade para refletirmos sobre a baixa qualidade das cervejas industriais nacionais, agora monopólio da Ambev. Um bom ponto de partida para isso é um artigo publicado na revista da FAPESP que já tem quase 10 anos e que denunciava a presença de milho, arroz e outras traquinagens na fórmula dessas cervejas.

Paladar dedica a capa ao mundo dos amidos. Os amidos variados que os chefs usam, o poder de ligação de diferentes amidos e a opinião erudita de Harold McGee. Boa matéria.

Paladar dedica também uma página tentando apresentar a gastronomia limenha. Luiz Américo nos diz que Gastón Acurio não está com essa bola toda ao fogão. É mais um lider político e social do que um chef “genial”. Essa palavra, profundamente desgastada pelo uso abusivo, atribuída a Adrià, precisa mesmo reencontrar seu justo lugar no léxico culinário.

No Comida Cristiana Couto resenha um livro sobre cachaças. Dá prá ver que não é bom, isto é, não é a “Verdadeira história da cachaça” que o título enuncia. Vale ler também o texto de Rodrigo Oliveira sobre tapioca. Ele sugere ousadias de arrepiar os tradicionalistas.

Já Nina Horta, em texto impagável, ensina que “num livro de cozinha, você consegue, no máximo, duas ou três receitas que dão certo e que te apetecem fazer”. Só o colecionismo faz a estante crescer, não a erudição.

Falar em erudição, boas resenhas de Josimar Melo e de Luiz Américo sobre o novo restaurante de Hamilton Mellão. Os dois jornais noticiam também, com pesos diferentes, a abertura da tratoria de Pier Paolo Picchi. Mello & Mellão e Trattoria e Rosticceria Picchi são as bolas da vez.

Confesso que não atinjo a diferença entre tratorias, cantinas e restaurantes no cenário paulistano. Mas o que parece unir as duas tratorias de agora é o esforço por apresentar uma cozinha mais “tradicional” italiana a um preço razoável (a começar pelo couvert, a R$ 4,50).

Comi bem no Picchi. Ele está, aos poucos, ocupando o lugar que foi do celebre cozinheiro Luigi Tartari, pai do Gianni Tartari. Não só pelo conhecimento técnico apurado, mas também pela aversão à midia, ao esforço de marketing. Digamos que ele, um cozinheiro e tanto, está mais vocacionado para ocupar um lugar de destaque na mente gourmand do que nos jornais. Enfim, um cozinheiro dessa estirpe que sabe fazer um tiramissu com pouco açúcar e um pudim de leite sem nenhum leite condensado mas não sabe fazer disso uma notícia. Aliás, o destaque que a Folha lhe dá na mesma edição que trata do Mellão já indica isso. Luiz Américo procurou ser mais equânime.

Hamilton Mellão é, por sua vez, um intelectual da cozinha que põe a mão na massa. Sua biblioteca é mitológica e faz inveja a todos os “entendidos” em cozinha. Mas ele gosta muito do fazer e, ai está, dando de novo a cara para bater.

As cozinhas de ambos - Picchi e Mellão - ainda precisam de ajustes. Experimentei um ossobuco no Picchi que ainda não ombreava com o do Così. Mas também comi uma boa porchetta, que ombreava com a da Casa da Li. Um amigo, em quem confio muito, comeu um vitello tonnato no Mellão que simplesmente não era vitello, mas lagarto comum. Não tenho dúvidas de que ambos saberão corrigir esses pequenos deslizes em casas iniciantes. Serão casas para ir sempre, especialmente se estamos fartos dos abusos de preço que se praticam por ai.

Apreciei, no Picchi, que tenha, no seu espaço, uma mini-loja da Zahil, além da política de preços dos vinhos. À mesa, tomei um Carrau reserva a R$ 40. Mais do que honesto, honestíssima relação qualidade-preço.

Por falar em vinhos, hoje Luiz Horta nos oferece um mergulho na vida do empresário e ex-banqueiro que faz o A Crux. Jorge Lucki, no Valor, faz o elogio da grenache, por conta de uma jogada internacional de marketing - o “dia internacional da grenache” - parece que nos moldes do beaujolais nouveau. Mas eu não tinha ouvido falar disso antes, e 4 importadoras (Decanter, Zahil, Premium e Vinissimo) promoverão amanha a venda dos seus grenache em vários restaurantes paulistanos, dentre os quais o DOM. (Acho difícil ir ao DOM para tomar vinho...).

A garota que substituiu Jorge Carrara fala da profusão de importadoras no Brasil. Mais de 300. “Muito cacique para pouco índio” diz ela, numa consultoria gratuita a quem pretenda abrir uma importadora.

3 comentários:

messias s. cavalcante disse...

Na sua opinião acima:

No Comida Cristiana Couto resenha um livro sobre cachaças. Dá prá ver que não é bom, isto é, não é a “Verdadeira história da cachaça” que o título enuncia.

É, no mínimo, irresponsabilidade publicar tal comentário apenas baseando-se em opinião de terceiros, sem nunca ter visto o livro.

e-BocaLivre disse...

Caro Senhor,
deve ter havido confusão entre "leitor de quinta" e leitor de quinta, não?

O papel da crítica é dizer ao leitor, entre outras coisas, se vale a pena ler um livro ou não. Como confio nas opiniões da resenhista, "dá pra ver que não é bom" (o livro, não o autor).
Cito o trecho em que se baseia meu juízo: "O problema da obra está, basicamente, em sua edição. Há, por exemplo, erros banais de português de toda ordem, como troca de letras e falta de concordância.
Outro problema está nas análises do autor. Não propriamente no conteúdo, mas no desenrolar. A má escolha no formato das numerosas citações e a falta de padrão fazem com que o leitor, em alguns trechos, se perca em quase 500 anos de história.
Apaixonado que é pela cachaça (mas não escritor), é natural que, ansioso por destilar seu conhecimento sobre a bebida, Cavalcante se perca em digressões e faça remissões sucessivas a um mesmo argumento, o que uma boa edição resolveria".

Em outras palavras, ela está criticando A EDIÇÃO a que o livro foi submetido, sem qualquer preparação mais cuidadosa do original. O senhor, como os leitores, são vítimas de uma moda editorial que confunde editora com "imprimeria". É lamentável para todos, é claro.

Grato,

CAD

messias s. cavalcante disse...

Agradeço a atenção e transcrevo abaixo o e-mail que enviei à resenhista:

Em 22/09/2011 a colunista Cristiana Couto resenhou o livro A Verdadeira História da Cachaça. Segue minha apreciação:

Ao comentar:

"O problema da obra está, basicamente, em sua edição. Há, por exemplo, erros banais de português de toda ordem, como troca de letras e falta de concordância."

Ela seguramente está se referindo às várias transcrições encontradas na obra, que foram escritas como no original, com eventuais erros de acentuação e concordância.

Mais adiante:

" A má escolha no formato das numerosas citações e a falta de padrão fazem com que o leitor, em alguns trechos, se perca em quase 500 anos de história."

A resenhista demonstra desconhecer as normas da ABNT sobre citações bibliográficas. Recomendo a consulta da Norma ABNT 10520-2002.

Abraços Messias

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