29/10/2011

A fome e a possibilidade de comer

Mesa Tendências oferece um cardápio muito extenso, difícil de ser acompanhado na sua inteireza. Queria ter visto o video de Gualtiero Marchesi, para mim um dos mais importantes cozinheiros da atualidade. Assim como a aula do senhor Aimo Moroni. Até mesmo, lembro, porque certa vez (faz tempo) perguntei a ele se não escreveria um livro de culinária, como Marchesi, e ele me respondeu: “senhor, temos que fazer escolhas na vida: ou bem se cozinha, ou bem se escreve”. Não pude ir à aula de Aimo ou da maioria dos italianos. Me resta ler os sucessivos livros de Marchesi, aliás, tão bons quanto a sua culinária.

Soube da aula de Samantha Aquim, que me foi descrita como maravilhosa. Uma outra perda. As aulas da Bella Masano, Helena Rizzo, Ana Trajano também forma perdas, inclusive afetivas. Tive que me contentar com as aulas do dia 27. A do Rodrigo e do Julien - sobre ela já escrevi - além da aula de Enrico Cerea e da Simone Bert.

Comida dos Cerea já havia comido no Festival de Tiradentes. O arroz de cabeça de garoupa do Atala, também já havia experimentado. Não pude ver o Bottura. Enfim tudo num cardápio maior do que consigo deglutir, apesar da fome.

A aula da Simone Bert foi daquelas oportunidades nas quais confrontamos a “fama” do chef com seu desempenho. Começou com um infindável filme publicitário da SoCoco. Insuportável! Depois, aquela preocupação em mostrar mais a desenvoltura no palco do que a que veio. O show-chef falou mais alto do que o chef-cozinheiro.

Por isso, lendo a receita que preparou, no caderno distribuído no evento, me horrorizo. Trata-se de uma prosaica pata de caranguejo flambada na grapa com calda de coco, em cujo molho ela acrescenta “uma pitada de glutamato monossódico”, e recomenda cozinhar por 30 minutos a pata do dito cujo! Misturar Miami com Copacabana, Peru com Maceió, chiclete com banana, dá nisso...

Encontros assim parecem misturar intencionalmente o joio e o trigo. Talvez um pouco mais de rigor da curadoria teria salvo aquele tempo precioso, que poderia ser ocupado por gente nova, garimpada ao longo do ano mas sem “estrelas” na testa. Tudo bem que as pessoas queiram ganhar dinheiro, precisam agradecer a financiadores, mas o que temos com isso? Beira o desrespeito. Toda vez que enxergar um produto SoCoco vou lembrar daquele momento infinito de abuso.

Mas, como faltam “encontros”, sempre se salvam ao eventos quando, no palco ou fora dele, topamos com pessoas que não fazem parte do nosso cotidiano mas contam para a gastronomia. A gastronomia é a arte do encontro, embora entulhem tantos desencontros em nosso caminho.

O tema do encontro era “A caminho de uma cozinha consciente”. Não vi muito de “consciência” não. Não vi mesas temáticas, organizadas segundo os “sete princípios” da chamada Carta de São Paulo, aprovada no encontro do ano anterior. Por isso foi uma satisfação enorme ouvir de soslaio uma entrevista de Julien Mercier a uma TV, quando disse que o Brasil possui tanta riqueza e diversidade que devia renunciar a ficar servindo salmão do Chile, envenenado com antibióticos e outros produtos químicos.

2 comentários:

Ricardo Neves Gonzalez disse...

Dória, boa noite

Estive no Mesa Ao Vivo a convite do Castilho, com uma aula de sanduíche e pães artesanais. Levei um pão Cubano elaborado com mandioca e trigo, azeite de castanha do Pará, berinjelas orgânicas de um produtor local, peperoni artesanal e alface roxa, tudo delicioso. Realmente achei o evento muito bacana, mas tambem senti falta de comprometimento de muitos com as diretrizes da Carta de São Paulo. Pena que não pude conhece-lo pessoalmente.
Dória, estarei novamente acompanhando este seu blog sensacional e comentando.
Ricardo Gonzalez

e-BocaLivre disse...

Ricardo, obrigado pelos comentários. Sem dúvida teremos novas oportunidades de encontro.
abraços

Postar um comentário