Uma das matérias do Paladar de hoje não saiu no caderno próprio. Saiu no suplemento Agrícola, publicado ontem, sob o título “Tempo de Içá”. Trata-se de um relato da caça de Içá em Silveiras (SP), tema que já abordei aqui.
Um litro de içá custa R$ 20. Lembro de comer içá, na infância, em Araçatuba (SP). Os japoneses colhiam, torravam e vendiam em pequenos cones de papel, usados também para vender amendoins.
As içás saem em revoadas quando chega a estação das chuvas. Comê-las é um antigo hábito paulista. Nada tem a ver com os modismos atuais das formigas amazônicas na alta gastronomia paulistana.
O mesmo suplemento Agricola nos informa que o milho está muito caro para criar porcos. Os criadores, então, estão ministrando rações à base de sobras de alimentação humana: biscoitos, leite em pó, açúcar. É a versão industrial do que se usava para criar porcos domésticos nos quintais: a “lavagem”. Fico pensando no leite em pó. Ele não seria melhor utilizado pelas crianças com subnutrição que abundam no país, ainda que os porquinhos custassem um pouco mais? Por que o leite em pó é tão barato? Quanto de subsídio tem?
Paladar traz na capa a “cuca”, pão doce do sul do país, especialmente Rio Grande do Sul. É típica matéria que força a barra: querem fazer a cuca D.O.C. em Santa Cruz do Sul (RS), a terra do tabaco. Tem até uma antropóloga envolvida na coisa. Mas ficamos sem saber qual a vantagem dessa estratégia. A cuca ficará “melhor”? Não. No máximo protegerá os interesses de alguns artesãos ou padeiros locais.
Essa mania de D.O.Cs e que tais também está na resenha de Luiz Américo sobre duas pizzarias. Ele mostra que a ortodoxia vigiada por algum organismo internacional - que estabelece “regras” de observação obrigatória em qualquer ponto do mundo, inclusive com uso obrigatório de ingredientes italianos - só garante preço mais alto. A melhor pizza é a que leva bom tomate fresco local, com preço mais condizente.
Matéria sobre o menu do Acre que Ana Trajano lança em breve no seu restaurante. A coisa mais interessante do menu é a tartaruga, como verão os que tiverem oportunidade de comer. Sobre a viagem que fiz ao Acre, a convite, já escrevi aqui.
Comida, finalmente, parece acertar em cheio na capa. Deixa de lado ingredientes para registrar uma tendência nova na gastronomia paulistana, que consiste na oferta de refeições em casas, com acesso restrito para o público. Trata-se do que poderíamos chamar de a “moda chez-moi”. Ou a culinária huis clos, sartreanamente falando.
Posso estar enganado, mas parece que isso começou, em São Paulo, com o egípcio Maurice Bibas, nos anos 80. Ele recebia, em sua casa, para jantares muito especiais, exclusivos, e era quase impossível ter acesso a esse circulo de privilegiados, para quem olhasse de fora. O Club Gourmet, do Celidônio, me parece que começou sob a mesma filosofia. Me lembro vagamente de tudo isso porque, na verdade, nunca avancei do noticiário das revistas gastronômicas em direção à verdadeira fruição.
Atualmente, e já há alguns anos, a casa de Lourdes Hernandes e de seu marido Felipe, artista plástico de valor e de reconhecimento internacional, se tornou esse porto seguro de quem quer comer bem, com intimidade, sem pagar tributo às chateações que é comer fora sempre, enfrentar filas, garçons, cardápios nem sempre bem executados, ou cair em infindáveis e caras degustações top. Lá você certamente encontrará os chefs proprietários de outros restaurantes - como Alex Atala, o Hugo, do Obá, Rodrigo Oliveira, etc. Bom sinal.
A matéria do Comida fala de seis outras casas no mesmo estilo. Fui à inauguração do Momentto (não sei por que essa grafia com dois “tts”, dando sequência à moda inventada pelo frei Betto), da Fernanda Valdívia e Giovana Sonda.
Fernanda tem um histórico muito sólido de cozinha, tendo trabalhado vários anos com o chef Laurent Suadeuau, de quem foi braço direito na escola mantida por ele. Saiu para fazer a sua carreira solo. Hoje faz talvez a melhor massa folhada de São Paulo. A comida beira sempre os clássicos, segundo a inspiração ou desejo pessoal das gurias da dupla. Acompanho o cardápio, que muda semanalmente, pelo site. É sempre muito tentador, e o dia é hoje.
Comida traz ainda uma matéria sobre doces árabes, feitos por mãos nordestinas. Não sei por que a origem do artesão é destaque. Outra matéria: a estação do tatufo bianco d´Alba, que este ano ainda está escasso, dada a falta de chuvas. O tartufo chega a 8 mil euros o quilo em Alba! (Mas, como já disse, a içá, que também depende da chuva, custa R$ 20 o litro...)
Me contou um chef que vai anualmente buscar as trufas que o mais importante na atual safra é a invasão de tartufos provenientes da Albânia e da China. E são vendidos em Alba como se albineses fossem, sendo albaneses. Um escândalo, se observado da ótica do terroir e seu culto.
Nina Horta especula sobre a moda da cozinha brasileira, assunto aliás que Nathan Myrhvold aborda em curta entrevista com direito a futurologia: o Brasil está liderando a corrente “modernista” na carona de Alex Atala. Há muita chance de o próximo “Noma” ser brasileiro. Well...
Alexandra Forbes, que não pode perder uma novidade, foi jantar no 41 Grados, ou, como ela diz, “o novo El Bulli”. Li a matéria e não vi novidades. Parece que Adrià caminha para ser engolido pela sua própria filosofia: é preciso, sempre, surpreender. Mas a caixa de mágicas um dia se esgota.
03/11/2011
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2 comentários:
Carlos Doria, vc não acha que essas "tendencias" gastronomicas paulistanas acabam sempre uma seguindo meio que uma logica de moda, muito superficial e no fim é oferecido, na maioria das vezes, uma copia vazia de determinados conceitos que toma a cidade por no maximo 6 meses, sem que a cidade ganhe grandes restaurantes, que tenham qualidade e competencia para se estabelecer no mercado e nao sucumbir a proxima moda.
Caro, lá vem a chata fazer algumas pequenas correções. Primeiro: falta r em "tatufo" e o nome do nosso melhor chef francês foi grafado errado tbem. Quando ao 41 Grados, terei que discordar, a começar pelo uso do Adrià no singular. O lugar pertence a dois Adriàs mas na verdade foi concebido e é tocado integralmente por Albert - o irmão mais velho nem em BCN está, a maior parte do tempo. O texto foi muito cortado, o espaço era miudinho... talvez se o lesse na íntegra enxergaria melhor a novidade. Que há, há. Desde a trilha sonora bem casada com os "pratos" ao serviço feito ora por garçons, ora barmen. Quanto às trufas, a meu ver - e olhe que acabo de voltar de Alba e Torino - it's much ado about nothing. Sou muito mais um belo tajarin na manteiga, dispenso alegremente as raspas que custam o olho da cara. Abs do Porto, Alexandra
ps. Eu, q adoro mesmo uma novidade como vc bem diz, fui ao Momentto há mais de 2 meses. Como pode ser que agora leio aqui sobre sua suposta "inauguração"?!
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