17/11/2011

Leitor de 5ª - A volta das tartarugas & do sonho de quintal

Dois temas interessantes capeiam, hoje, Paladar e Comida: tataruga e - como dizer? - quintais e floreiras domésticas produtivos, sob o eco-nome de urban homestead. A moda, tão nova por aqui, ainda não produziu nome caboclo.

Esse urban homestead não se resume a plantar e colher, mas expressa a adoção de um estilo de vida baseado na produção de alimentos para consumo próprio e em sistema de troca. Na boa matéria de Janaina Fidalgo, lê-se, de um entrevistado: “quem disse que a gente não pode voltar a ser responsável por 60 a 70% da nossa comida?”. Eu responderia: a especulação imobiliária.

Para uma prática como essa ir adiante é preciso ter quintais - grana para ter casa com quintais amplos. Mas há quem tenha. Falta-lhes tempo. Afinal, estamos aqui para produzir - não para o auto-consumo, mas para o capital.

A matéria toda lembra a velha discussão de economistas do século XIX sobre o oikos, ou autarquia. Todo mundo meteu a colher nessa discussão. O economista Roberthus, Marx e Max Weber. O tratamento de Weber é o mais interessante e duradouro na sociologia: o oikos é uma forma de organização econômica familiar patriarcal, onde se produz a maior parte das coisas para auto-consumo, destinado pouca coisa ao mercado onde se adquire o que não se produz (sal, por exemplo).

Mas a matéria não vai para o lado da teoria. Relata apenas uma diversão urbana, um “desejo de horta como criança querendo cachorro”, como escreve Sandro Marques, o Litro de Letras. E há o exemplo sempre edificante, porque divertido, de Neide Rigo. Ela, que sempre fez isso, reconhece que de vez em quando a moda passa à sua porta (ou quintal). Para quem acha que por ai se “liberta” há o consolo da frase de Guimarães Rosa, mais ou menos assim: liberdade, esse pobre caminhozinho no meio dos ferros das grandes prisões.

A tartaruga, na capa do Comida, me deixou feliz por já ter tratado do assunto, tendo visitado os mesmos personagens. Vale ler o perfil de Dna Maria, a tartarugueira com óculos tipo Fitipaldi, uma espécie de Dna Brazi do Acre. Espero ter contribuído para a pauta, mesmo involuntariamente.

A tartaruga, esse frango dos índios, sempre esteve à mesa, no "complexo da tartaruga" de Gilberto Freyre. Foi a legislação que a proscreveu, contribuindo para a diminuição do hábito de comer. Ana Trajano trouxe a tartaruga pioneiramente para a cena paulistana. Tudo indica que Alex Atala fará o mesmo. Por isso, agora, torna-se aguda a discussão primária, quando uns chatos perguntam: “quem disse que a tartaruga quer virar comida?”. Quem sabe ela quer mesmo ser I-Ching... Tem razão Alex Atala ao dizer que “a gente humanizou a tartaruga; a vaca e o frango a gente desumanizou”. Apenas esqueceu de incluir o salmão, etc, etc.

E tem razão meu amigo, o antropólogo Mauro Almeida, acreano, ao comparar a caça no Brasil à da Europa. Ao passo que na Europa ela resume uma vivência nobre - e, por isso, sempre defendida pela aristocracia - no Brasil trata-se de um departamento da alimentação popular. E, por ser popular, a política pública pode cair sobre ela de forma arrasadora. Afinal, tartaruga, paca, tatu, cotia, capivara, jacu, codorna, perdiz sempre foram itens da dieta popular no Brasil rural, desde antes de Cabral.

A transformação da fauna em “zoológico livre” representa uma forma de subordinação do campo à cidade. Não surpreende, pois, que os chefs, minimalistas no enfrentamento do Estado, elegeram as formiguinhas como símbolo desse Brasil silvestre. Desde os modernistas diz-se "ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil". Nada mais nacionalista-moderno do que mastigar formigas.

Outro caminho seria regular a caça e o manejo dos animais. Há quem diga que, agora, com criadouros autorizados, a situação tende a piorar: animais silvestres serão dizimados, falsificando-se o “selo Ibama”. Serão esses falsários as saúvas modernas?

Comida e Paladar resenham o livro de Francis Mallmann, Sete fogos. Esse cozinheiro excepcional, sobre o qual falei aqui, bem merecia a tradução de sua obra. Entre a resenha de Josimar e a de Olivia Fraga o leitor se informa sobre o livro e, espera-se, dedique-se à sua leitura.

O mais, normal. No comments.

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