12/01/2012

Rum e cachaça se revelam em laboratório

Ontem, peguei o Comida e, francamente, só uma coisa realmente me intrigou. A frase final da coluna da Alexandra Forbes: “Para cada foodie culto e curioso que desembarca aqui há dezenas que não sabem a diferença entre a nossa cachaça e o rum”. Fiquei me perguntando: quantos brasileiros sabem?

Eu, pelo menos, não sabia exatamente até uns anos, quando fui estudar a matéria para editar os textos do Hervé This na Scientific American, que devia ter um tanto de produção nacional. E pedi um texto para Roni Vicente Reche e Douglas Wagner Franco, pesquisadores do laboratório para o Desenvolvimento da Química da aguardente (lDQa) do Instituto de Química de São Carlos, da USP. O texto deles saiu justamente com o título: “Cachaça e rum: diferenças”.

É um texto interessante, pois mostra quão levianamente propalamos essas diferenças tão sutís. Vi que é difícil determina-las de modo objetivo, caso deixemos de lado argumentos nacionalistas ou os procedimentos de laboratório. De longe, então, é mais fácil confundir-se, de modo que os americanos tem certa dose de razão.
Resumidamente, dizem os cientistas: o Decreto no 4.072, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 3 de janeiro de 2002, estabeleceu que “cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48% em volume, a 20°C e com características sensoriais peculiares”. A aguardente de cana é a bebida com graduação alcoólica de 38% a 54% em volume, a 20°C, produzida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até 6 gramas por litro. O rum, rhum ou ron, segundo o mesmo Decreto, é a bebida com a graduação alcoólica de 35% a 54% em volume, a 20°C, obtida do destilado alcoólico simples da fermentação de melaço, envelhecido, ou da mistura dos destilados de caldo de cana-de-açúcar e de melaço, envelhecidos total ou parcialmente, em recipiente de carvalho ou madeira, conservando suas características sensoriais peculiares. O rum deverá conter no mínimo 30% de destilados alcoólicos envelhecidos. O produto poderá ser adicionado de açúcares até uma quantidade máxima de 6 gramas por litro".

Embora “cachaça do Brasil”, “aguardente” e “rum” tenham sido definidos legalmente, as ditas “características sensoriais peculiares” não o foram. Não se pode esperar que os americanos, então, distingam o que não distinguimos. E não é por acaso que, nos tempos coloniais, a cachaça embarcada para a África, para o escambo por escravos, frequentemente tinha a denominação de "rum do Brasil".

Em termos químicos - para as amostras com as quais os cientistas trabalharam - a diferença é: “as amostras de rum são caracterizadas principalmente pela presença de protocatequina, enquanto as amostras de cachaça são caracterizadas pela presença de propanol, isobutanol, álcool isoamílico e íons de magnésio, manganês e cobre. A protocatequina, um polifenol, foi encontrado nas amostras de rum em virtude do envelhecimento do destilado. Nas amostras de cachaça, esse composto não foi detectado. As amostras de cachaça apresentaram um aroma mais acentuado de especiarias (spicy) e de cereais do que as amostras de rum, devido à presença em maiores teores de eugenol, fenilacetato de etila, nonadienal, etilguaiacol e fenil-etil-álcool”.

E durma-se com um barulho desse! A produção artesanal da cachaça garante uma variedade tão enorme que muito dificilmente poderemos estabelecer, de modo sensível, as diferenças com o rum. Estes, por sua vez, são tão variados - especialmente se considerarmos a produção caribenha - que é igualmente difícil estabelecer um padrão sensível que abarque a classe.

O fato é que tomei recentemente, no restaurante Eneko Atxa, em Bilbao, um rum da Martinica, o Clément, envelhecido, que certamente está entre as melhores bebidas do mundo, independente do que achemos das nossas melhores cachaças.

O mais do Comida não me motivou. A história dos sucos, a coisa do “cardápio do morro”, essa mania de achar que tudo é razão para comer “diferente”. Qual será o cardápio da penitenciária? Do Hospital das Clínicas? Todo mundo tem direito de comer decentemente, não é? E a classe média não precisa ir atrás, mastigando a sina dos outros.

Hoje li o Paladar. Excelente serviço a matéria de capa, de Luiz Horta, indicando 10 bordeaux “baratos”, disponíveis em São Paulo. Em meio à super-informação que os jornais e revistas veiculam sobre vinhos, o consumidor fica perdido. Quando essas informações são organizadas segundo uma ótica que lhe interessa, ele se “acha”.

Também boa matéria sobre o modo como Rodrigo Oliveira vem mexendo na doçaria brasileira (conservas), sempre comprometidas pelo excesso de açúcar.

3 comentários:

André Barman and mixology´s student disse...

Achei interessante ressaltar todos estes dados que apenas poucos, que realmente se interessam buscam e obtem através de muita procura (São pouco divulgados)
Mas a meu ver tecnico apesar das caracteristicas organolepticas, o rum é sem duvida a base de nossa cachaça. Apesar de não haver indicios historicos, as variaveis apresentadas por esta pesquisa, tb teve alguns atritos devido as poucas considerações sobre clima relevo e geografia das regiões produtoras tanto de rum quanto cachaça e desculpe me a palavra a "cabeça dura" de muitos produtores que não reconhecem que pelo comercio internacional o rum se caracteriza com um destilado ou bi destilado a base de qualquer sub produto da cana de açucar em toda sua tipologia.
Sem duvida nenhuma é um assunto delicioso de discutir e dar boas risadas (Risada devido a fatos curiosos que cercam o nosso produto e o destacam do rum tradicional)

Mais uma vez parabenizo a nota e espero ouvir mais coisas boas da nossa marvada!

Abraços e drinks
André C. Cerqueira

Alexandra Forbes disse...

Caro, fiquei honrada de ver que frase minha na FOLHA te fez refletir. Pois venho, eu também, pensando muito no tema cachaça x rum.

Fiz uma longa degustação de runs Zacapa recentemente, em grande evento da gigante DIAGEO, onde que estranhamente não se falou de cachaça, embora tenham comprado a marca Nega Fulô de Vicente BAstos Ribeiro. A Nega Fulo nao é vista pela DIAGEO, hoje, como digna de fazer parte de seu portfolio premium, que eles chamam de Reserve. O Zacapa, sim.

O interessante é que esse mesmo Vicente Bastos Ribeiro (dos maiores cachaceiros do Brasil, segundo me conta meu pai, outro dedicado cachaceiro de muitos anos), tem brigado por uma denominação correta de nossa cachaça lá fora. Pelo pouco que sei, é classificada oficialmente nos EUA como Brazilian rhum.

Logicamente, isso não ajuda em nada, apenas aumenta a confusão.

Naquela minha frase curtinha eu embutia algo do que sinto, que é um certo desapontamento com o grau de ignorância sobre a bebida, ainda hoje, apesar da modinha que tomou o Brasil, das mil e uma matérias e dos supostos cachaciers que pulam de degustação em degustação pavoneando seus (parcos) conhecimentos.

Acho que pessoas interessadas em comida e bebida deveriam saber pelo menos o básico, que a cachaça é um destilado de mosto fermentado de cana, enquanto o rum, em geral, é destilado de melaço de cana.

Seria pedir demais? Provavelmente.

bjo

A.

Unknown disse...

Olá a todos,
Estou neste momento a trabalhar na Guadalupe enquanto guia turístico, e entre outros lugares, levo os meus clientes a distilarias de rum.
E foi aqui que me surgiu a dúvida, qual a diferenca entre rum e cachaca?
Apos uma curta pesquisa na internet vejo que a maioria apenas refere que a diferenca esta no facto de o rum ser feito a partir do melaco, facto este que nao e verdade aqui na guadalupe e nem na Martinica onde se faz um "Rum Agricola" ou seja, com 100% do sumo de cana. Sera que á luz deste facto alguem me sabe explicar a diferenca entre cachaca e o rum.

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