11/04/2012

Leitor de 5ª na 4ª!

Amanhã nâo conseguirei ler o Paladar em tempo de resenha-lo aqui. Então, leitor de 5ª na 4ª, só com o Comida.

O suplemento se aventura pelos molhos, em matéria de capa. A chamada: “aprenda a preparar em casa bases como a de carne e a de maionese, o creme de chantili e os molhos brancos e de tomate”.

Os molhos são o assunto central da cozinha clássica, aquela antes da nouvelle cuisine, que praticamente os eliminou, reduzindo-os a coulis e concentrados. Escoffier dizia que o chef saucier era o “químico esclarecido” da cozinha. Não era para menos, a cozinha francesa produziu, ao longo de sua história, mais de 400 molhos e ao conhece-los o chef merecia mesmo o título de “esclarecido” ou enciclopédico. Quando chegou Hervé This, este reduziu essa parafernália toda a um conjunto de 23 fórmulas. Para ele, as emulsões, por exemplo, são todas iguais: bernaise, maionese, mousse de chocolate...

Tudo isso para dizer que, para falar de molhos, é preciso ter uma certa compreensão do seu universo, especialmente como estão organizados em famílias segundo seus princípios construtivos. É, infelizmente, o que falta à matéria do Comida. Por isso mesmo chama genericamente de “base” (“fond”) maionese, chantilly... E, como sempre, o jornal se coloca como isento: quem ensina a preparar os molhos são os chefs do bufê Les Amis.

Não sei se encomendaria algo a um bufê desses, pois quando se lê cada receita vai se tropeçando em coisas, do meu ponto de vista, inadmissíveis. Molho branco é apresentado como bechamel. Mas de onde tiraram que o molho bechamel leva leite, farinha, manteiga, noz moscada e.... parmesão!!? É realmente um escândalo essa receita. Escoffier já havia restaurado o bechamel mas ele caiu na vida de novo e deu nisso ai: um “molho” que só serve para gratinar pratos de uma tradição culinária prá lá de superada e decadente.

O seu molho de tomates frescos leva manteiga? O meu não, mas o de Comida leva. Maionese é o mesmo que aioli? Não é. Mas para Comida o segundo não passa de uma maionese aromatizada com alho. Molho barbecue com katchup? Eu passo.

Caldo de carne com ossos, redução intensa. Sim, este é o unico “fundo” que a matéria traz. Os demais molhos não são “fundos”. Fernand Point, o mestre de todos os artífices da nouvelle cuisine, dizia: “A cozinha não é invariável como uma fórmula do Codex. Mas é preciso evitar mudar as bases essenciais”. Sobre essas dizia: “Eu acredito, do fundo do coração, que se vai ao fundo [“fond”, que sempre usava no singular] dos molhos como ao fundo dos poços: é lá que está a verdade”.

A matéria de Comida em nada ajuda o leitor a compreender o complexo mundo dos molhos. Apenas o introduz na babel da cozinha que se pratica naquele bufê onde se foi buscar os chefs consultores do jornal. A verdade, está mais no fundo.

Outra matéria incompreensível é sobre a “Ultima ceia” para lembrar os cem anos do naufrágio do Titanic. Um pouco mórbido, não? Pois bem, o The Galley vai recordar o evento reproduzindo o “cardápio da primeira classe” (deve ser porque só comove mesmo é o afogamento destes). Não há texto, só 3 receitas: uma da primeira classe, outra da segunda classe e um outra da terceira classe. Mas não haviam prometido da “primeira classe”? E dai, você lê a receita da sopa de legumes da terceira classe e constata, como ingrediente, a mandioquinha! Você acredita? Eu não.

Josimar sugere o Fishbar, um restaurante com cara de bar onde se trabalha peixes. Parece bacana. Você pode aproveitar para tomar os vinhos ditos “minerais” que a Alexandra Corvo sugere hoje, focando no Loire.

Gostei mesmo foi da cronica da Nina Horta evocando o Quimet & Quimet, sobre o qual escrevi aqui, que me deu saudades. É, de fato, um lugar maravilhoso onde as latarias cumprem um papel central. Os espanhóis adoram essa forma de conserva e o Quimet tem uma coleção seleta de latas - especialmente de frutos do mar - excepcional.

Não são latas com o “que há de melhor no mundo inteiro”, mas quase só espanholas. E o Quimet da terceira geração me explicou que as latas são como garrafas de vinho, sendo que algumas ficam melhores envelhecidas. Ele deve saber o que diz, da perspectiva de um século.

2 comentários:

Julien disse...

a verdade Doria: poucos se da o trabalho de fazer molhos base, porque poucos sabem... O mais triste na minha opiniao: as pessoas publicar essas coisas sem verificar.

E tambem, pessoas hoje se dizem criadores, e fica na moda de nao respeitar as tradicoes culinarias. Quer fazer um maionese com alho?? perfeito, mas nao chama la de aioli e sim de maionese com alho.
Chamar o azul de vermelho e uma doenca, se chama daltonia, rsrsrs

wair de paula disse...

Aqui em Recife, de onde escrevo agora, um chefe foi recentemente alçado à condição de chef do ano, apesar de sua pasta a carbonata conter creme de leite e caldo de carne. Seguramente o molho bechamel deste leva parmesão, e outras digressões desta ordem. Um faz errado, outro publica errado, daqui a pouco o erro se torna uma verdade...abs

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