28/10/2012

Confie no seu taco: você é o melhor juiz do gosto


Sempre que damos um giro pela França mais claro fica: o caminho da gastronomia confunde-se com a afirmação do império do singular diante de um mercado que, a priori, absorve tudo e qualquer coisa. E lendo o livro recém lançado de Gilles Pudlowski (À quoi sert vraiment un critique gastronomique?, 2011), fica bastante claro o que orienta boa parte da crítica gastronômica: “classificar, como um tipo de missão santa a serviço do gosto”. Ele confere valor ao que aponta, recomenda, aprecia. Dadas as infinitas possibilidades, desentranhadas do normal da vida, seu ofício parece inesgotável e eterno.
E qual o valor do próprio crítico? as opiniões de Pudlowski são respaldadas pelo prestígio, entre os leitores, dos veículos nos quais escreve: Le Point, Saveurs, Le coq gourmand, Dernières Nouvelles d´Alsace (DNA).

O Brasil é um país onde a crítica é incompreendida, isto é, ainda não conseguiu legitimar-se como espaço de elaboração cultural que, em geral, vai contra a corrente, contra o estabelecido. Tanto é que se julga o que um crítico escreve segundo duas categorias estranhas à própria noção de crítica: “crítica construtiva” e “crítica destrutiva”. Como alguém pode construir algo num terreno ocupado sem antes “destruir”?

No Brasil, a crítica busca avidamente o “compromisso”: nem tanto o céu, nem tanto a terra. A crítica anódina, que para celebrar o gosto geral renuncia ao rompimento de fronteiras. É bom exemplo disso o guia “O melhor de São Paulo”, da revista sãopaulo, da Folha.

Num “guia dos melhores” chama a atenção como é composto o “juri”. Um skatista, um tatuador, repórteres, nutrólogas (sic), midiartista, ginecologista, apresentador de Tv e, claro, críticos de gastronomia, editores especializados no tema. Desde logo fica claro que se busca o “consenso” capaz de representar um juízo “médio”. E, embora não tão claro, que ao se elevar o comum dos comedores à condição de crítico, ombreando-o com críticos profissionais, esses é que são destituídos de um saber técnico específico e tomados como “qualquer um”. É o compromisso entre a especialização e o senso comum como a quintessência da crítica.

As próprias categorias do guia revelam o alinhamento com o mercado. Melhor hamburguer, melhor rede de fast food, melhor sanduíche, melhor esfirra, melhor “pizza em pedaço”, sorvete, café, doce...

Como distinguir entre pizza inteira e “pizza em pedaço”? Bem, existe uma casa que se chama O pedaço da pizza. Praticamente única e, obviamente, “a melhor”... Acaso andaram testando pedaços de pizza nas infinitas padarias e lanchonetes da cidade?

Mas o consenso de redação não é exatamente o “juri popular”. O “Datafolha”, voz da verdade (vox populi), consagra, obviamente, o bem estabelecido: o MacDonald´s contribui para a gastronomia popular com o melhor hamburguer, a melhor batata frita, o melhor milk-shake. Em seguida, vem o “juri” divergindo: melhor hamburguer é do Ritz; melhor batata-frita, da Lanchonete da Cidade, assim como o melhor milk-shake. “Hamburguer gourmet” é a categoria que se estabelece para separar a comida popular daquela queridinha do juri; como se hamburguer não fosse hamburguer, apenas um enunciado do verdadeiro, que é “gourmet”. Há portanto lanchonetes e lanchonetes. O leitor não se deixe enganar.

Me soa especialmente estranhos que os melhores doces, como os brigadeiros da Brigadeiro Doceria & Café, possam receber um comentário (justo) de Priscila Pastre-Rossi: “é tudo vistoso - mas doce o suficiente para enjoar logo”. Então o excesso de açúcar não desclassifica um doce? E quando o assunto é sorvete? Você atribuiria o sucesso do Bacio di Latte ao leite (qual marca? de onde?) ou ao pré-mix italiano, que faz do sorvete um produto industrial?

Assim caminha a humanidade: comendo mal ali onde falta espírito crítico, abundando “consenso”. Comendo melhor quando adota o próprio juízo como guia.






2 comentários:

Anônimo disse...

o pior que muitas vezes a diferença da versão "gourmet" desses lanches tá só no preço e na localização do lugar mesmo... ou no máximo é que um coloca um ketchup sem marca e o outro um importado na mesa

Gmt disse...

Existe uma sucessão, meio forçada pela industria, de cada vez mais baixar a barra do standart. O tal leite tipo A é o mesmo que a 20 anos atras todo mundo tomava de manhã...hoje com o predominio do tetrapak, virou iguaria culinaria.
Isso só pra citar um exemplo. O pior é como o grosso da sociedade, independente de classe social, pouco se importa, ou pouco conhece, com a qualidade do que come.

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