27/01/2013

Papel integrador da culinaria negra na Bahia


É muito difícil seguir o fio da formação da culinária brasileira porque, como sabemos, no meio dessa caminhada deu-se a hipertrofia da ideia de que somos a convergência das cozinhas indígena, negra e branca - especialmente pela absorção de ingredientes nativos e africanos por técnicas portuguesas. Essa ideia vulgar desnorteia o pesquisador, mais do  que o auxilia.

Pois lendo de novo a História da Alimentação no Brasil, de Camara Cascudo, em função do curso oferecido pelo C5 - Centro de Cultura Culinária Camara Cascudo, especialmente o capítulo sobre a culinária negra - aquela experiência de elaboração exclusiva do Recôncavo Baiano - me dei conta de uma virtude ímpar dessa cozinha, que é o trato da farinhas.

As farinhas de mandioca - que são inúmeras - e a farinha de milho são sempre adstritas à origem indígena. Já a farinha de trigo é notoriamente portuguesa. E se nos perguntarmos qual a farinha africana, não temos o que responder. Mas talvez por não ter mesmo uma “farinha étnica” é que a cozinha negra transita por todas elas. Farinha de milho, farinha de mandioca, farinha de trigo, farinha de arroz, além de farinha de feijão, para ficarmos nas principais.

O receituário da cozinha de santo ou cozinha de terreiro admite, de fato, essa vasta gama de amidos. A de arroz, por clara influencia dos negros islamizados; a farinha de feijão fradinho, componente do acarajé. A farinha de trigo, especialmente nas versões mais modernas do vatapá - prato que Cascudo, com senso crítico agudo, diz que ainda “não está acabado” (isso em 1918, quando morou em Salvador), no sentido de estabilizado, como a feijoada completa.



Então, tomemos as receitas compiladas por Cascudo, por Manoel Querino ou por Nina Rodrigues, e teremos o testemunho do uso amplo e indistinto das farinhas, as vezes se substituindo no mesmo prato.

Esse papel integrador dos amidos da cozinha negra nunca foi suficientemente ressaltado, demorando-se os analistas mais no dendê, na pimenta e no leite de coco. Mas, convenhamos, as farinhas são elementos substantivos dos pratos, ao passo que dendê, pimenta e coco são elementos adjetivos. 

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