31/01/2013

Reflexões à sombra das vinhas velhas


Interessante matéria de capa ontem no Comida, assinada por Cristiana Couto & Alexandra Corvo. Fala das variedades de uvas ameaçadas de desaparecimento e que, no entanto, estão sendo recuperadas na onda do “locavorismo” (ou “locabebismo”?). Interessante porque dá pano para manga.
A razão que apuraram para esse novo boom é a “consciência de preservar um patrimônio genético e histórico”. Jancis Robinson, em entrevista na mesma edição, diz que “consumidores estão cansados de produzir e beber chardonnay, cabernet sauvignon, merlot”. Sou mais Robinson do que as fontes entrevistadas pela reportagem - pois uma coisa é o discurso; outra, aquilo que move o capital nessa ou naquela direção. E o gancho da matéria parece ser o lançamento de Wine Grapes, monumental obra de Robinson,  da qual Luiz Horta, no Paladar, também extrai ensinamentos.

A matéria do Comida persegue a expressão de terroirs esquecidos. Filipa Pato (a cacofonia mais saborosa do mundo...) fala do terroir da Baga, na Bairrada, como exemplo de excelência. Ora, a vinha é das plantas mais plásticas que existem no mundo. A rigor, se adaptam muito bem em certas faixas de temperatura e variados tipos de solo. 

Darwin já havia explorado isso em The variation of animals and plants under domestication (1868), e o assunto não é novidade. A questão é que o vinho - e ai sigo mais Emile Peynaud do que as autoras - é muito mais fruto do trabalho humano do que das condições naturais. Ou, como enunciou Adam Smith em 1776: levados ao mercado, certos vinhos parecem ter uma propriedade mágica que os faz mais vendáveis; por isso, são melhor cuidados pelos produtores do que os outros, de forma que não sabemos se são características naturais ou o fruto do trabalho humano dedicado a razão do sucesso. Os críticos de vinhos também não sabem resolver isso para nós, misturando tudo numa coisa só que chamam terroir.

Contudo, como diz Luis Pato (pai da cacofonia...), “o vinho passou a ter uma receita sempre igual, para agradar ao consumidor”. Em outras palavras, houve uma estabilização técnica que agora prejudica a competição entre produtores. É sempre assim em economia: inovações técnicas, quando se disseminam, criam igualdade entre produtores e, por sua vez, estimulam a busca de novas técnicas capazes de diferenciar.



Mas a opção de fazer coisas “menos iguais” é tributária das vinhas de determinados lugares ou depende de fato de inovações técnicas? A primeira hipótese parece ser a aposta do marketing das castas “resgatadas”. As variedades são, conforme Jancis Robinson, mais de 10 mil, do ponto de vista botânico; mas apenas 1.368 são usadas no fabrico de vinhos. Novas variedades, novas possibilidades de marketing independente da consistência dos argumentos.

Michel Roland, o papa do marketing dos vinhos, acha que o apelo “terroir” se esgotou, ao menos no caso da França. Lá existem mais de 400 terroirs vinícolas e a enorme maioria deles significa absolutamente nada em termos de alavancagem de vendas. Ele é contra, por exemplo, à formação de um “terroir” no Vale do São Francisco. Não me parece um raciocínio absurdo. Roland prefere fazer vinhos com estilo a partir de um número limitado de castas, mesmo as que se repetem em torno do globo em diferentes países.

A diferença parece sutil, mas amarrar uma casta a um terroir parece trazer à tona, de novo, o problema da multiplicação ilimitada dessa “marca regional”. Sem dúvida é positivo que a maior variedade possível de castas seja preservada in situ, consolidando um estoque genético que poderá, a qualquer tempo, favorecer o desenvolvimento de novas variedades e, mesmo, novos vinhos a partir de melhorias técnicas. Afinal, foram as melhorias técnicas que permitiram recentemente o bom aproveitamento da tannat - cujos “defeitos”, antes insuperáveis, deviam-se indistintamente à sua genética e adaptação. 

No mesmo Comida, Josimar resenha o bistrô da Grand Cru Moema. Gosto da estratégia de se comer em uma adega, lançando mão dos vinhos de prateleira pelo mesmo preço. Expand já fez essa experiência no D&D; a antiga Tire Buchon, em frente ao Così, transformou-se num restaurante onde se pode consumir assim os vinhos da casa. Todo mundo sentadinho, claro, e Josimar reclama uma carta de vinhos à mesa na Grand Cru, para não se ter que levantar. Acho que é coisa de paulistano não gostar de levantar a bunda da cadeira, mas essa forma de serviço - o self-service de vinhos - certamente contribui para o barateamento dos preços e pode ensejar novas formas de sociabilidade entre clientes. 

Paladar dedica a capa aos brotos. É a nova moda: broto de tudo no prato. O que é broto? Gil Felippe responde: “Quase tudo que chamamos de broto, na verdade, não é, botanicamente, broto. Há sementes germinadas (caso do broto de feijão) e plântulas ou plantinhas. Do ponto de vista técnico, uma semente que germina dá origem a uma nova planta e broto é o nome dado àquilo que nasce em uma planta ou tubérculo já adulto”.  

E se pode comer qualquer broto? “Melhor não. Uma batata esquecida na gaveta de legumes da geladeira pode brotar. Os olhinhos que aparecem na batata são chamados de gemas, que vão crescer e produzir um broto. Mas ele não deve ser comido, porque a casca tem muita solanina, que é uma substância tóxica”. Para mim, basta!

Paladar dá notícia também do Festival Gastronômico Sabor SP. São a Secretaria do Turismo do Estado e a revista Prazeres da Mesa dividindo o território em unidades administrativas (macrorregiões) como forma de abordagem da gastronomia. Uma mecânica complexa- juri popular e tudo o mais - para satisfazer hotéis, restaurantes, prefeitos e burocratas instalados nessas regiões. 

Os recortes nada tem a ver com culinária. Basta dizer que Vale do Paraíba e Vale do Ribeira não aparecem como coisas significativas, ficando escondidas em outras unidades. Regionalismo e sub-regionalismo já deram o que tinham para dar. Hoje, com outros enfoques culinários, com a globalização geral, significam nada como princípio explicativo da gastronomia. Mas nem todo mundo está nesse barco - sejam consumidores ou cozinheiros - inventando-se, alternativamente, destinos para ir no final de semana...












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