07/02/2013

O Nespresso e os tártaros, tudo aqui mesmo


Comida traz na capa uma novidade: a difusão do tartar, agora de tudo. O pretexto é a nova casa de Erick Jacquim, Tartar & Co, em Pinheiros, e o mote é que “o tartar pegou por aqui”. Caiu no gosto do paulistano nas versões de peixes e vegetais, além daquele de carne que costumam relacionar com os tártaros.

Tenho cá minhas dúvidas de que seja uma moda desse tipo. Sob uma palavra que remete a uma outra cultura há um hábito de corte bastante familiar, pois a cozinha brasileira é farta em picadinhos. Não só de carne - que já aparece em documentos portugueses quinhentistas - mas de chuchu, de abobrinha, de pepino - de tudo que se preste a um refogadinho bem miúdo e acolhedor ou a uma salada. É um gesto de querencia, cuja origem se perde no tempo. E o tartar de abóbora da Roberta Sudbrack já estava no podium antes dessa onda de “tartar” que quer se fixar.

Não importa o nexo internacional que, por analogia, estabelecemos entre os hábitos atuais; o que importa é que ele já esta enraizado na cultura culinária popular, e ao se dialogar com o já estabelecido não se cria novidade ou estranhamento. Cria-se conforto. Outro dia, num aniversário em família, serviu-se uma salada de frutas picada assim, milimetricamente. Fiquei pensando na delicadeza do gesto da empregada - que podia ter feito uma salada picada grosseiramente - e onde ela teria aprendido isso. Certamente nos cafundós da Bahia, não com os tártaros que nem deve saber que existiram. Enfim, não há porque complicar o simples: os picadinhos estão aí, não é preciso importa-los.

Nas colunas, Nina Horta fala da Amazon e sua expansão tentacular pelo mundo. Prefiro comprar meus livros na Abebooks. Uma questão de gosto, apenas. Alexandra Corvo fala dos vinhos brancos de Rueda. E, para quem gosta de vinhos, Luiz Horta fala, no Paladar, sobre a reabilitação do Pinot Noir na América do Sul nos últimos 20 anos. Uma uva que era problemática fora da Borgonha encontrou os xamãs capazes de lhe endireitar o carater. 

Alexandra Forbes se pergunta se um jantar “vale” R$ 1.220. Acho que um raciocinio do tipo do sabonete “vale quanto pesa” não se aplica àquilo que não é mercadoria produzida em série. Enquanto o chef consegue conferir um ar de monopólio ao que oferece ele pode cobrar o que quiser; se há quem pague, vale. Melhor seria entendermos que tipo de gente é essa disposta a achar que jantares valem mais que o emblemático salário mínimo ou o esforço de todo um mês de um honesto trabalhador.

Boa notícia a reabertura do Bologna no velho endereço da rua Augusta. Lá perto, está também o Jiquitaia, do qual Josimar faz simpática resenha. Só faltou acrescentar que, de fato, há jiquitaia à mesa, mix de pimentas proveniente de São Gabriel da Cachoeira, e que o serviço do restaurante tem qualidade bem acima da média: não range nem arranha sua refeição, como ocorre na maioria das casas mais posudas do que agradáveis. No conjunto, é a “baixa” Augusta ressurgindo lentamente das cinzas, do fogo extinto do Cadoro.

Já o Bacio di Latte, que convenceu os paulistanos de que é “artesanal”, abre nova filial e corre atrás dos sabores brasileiros para reforçar a imagem. Base branca com polpas de bacuri ou taperebá não fazem a metamorfose do industrial em artesanal. Uma coisa é o que estrutura o sorvete, outra a sua finalização.

A indústria também dá seus passos no território dos cafés, conforme matéria de capa do Paladar. Quatro novas marcas, além da Nespresso, apresentam produtos com a mesma tecnologia de extração, utilizando a mesma máquina da Nespresso. A quebra da patente significa também a quebra do monopólio. A tendência será os preços caírem e a expressão de uma variedade crescente de cafés. É uma notícia tão boa quando foi o aparecimento no mercado de tintas de impressoras em cartuchos recarregados - e a Nestlé (dona da Nespresso) é mesmo uma espécie de HP da indústria alimentícia, com alguns de seus cafés mais próximos a uma tinta...

Neide Rigo discorre, no Paladar, sobre as sensações de uma fruta  miraculosa já no nome: “a miraculina é o exemplo máximo de interação entre substâncias ingeridas, mas em pequenas proporções isso deve acontecer a todo momento na nossa boca (experimente comer salada de almeirão e tomar cerveja). E isso de certa forma reforça a ideia de que, fora as afetações, devemos levar mais a sério as harmonizações de vinho com comida, por exemplo”. Um prato cheio para quem gosta de correr atrás de novidades.

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