13/01/2013

Sim, de novo os sorvetes


É natural, pois com tanto calor o tema obrigatório é refrescar. Vejinha deu capa para as novas sorveterias da cidade de São Paulo. A revista sãopaulo, da Folha dominical, chama atenção para os sorveteiros de rua em reportagem de Bruna Haddad.

Mas esse assunto, que já tratamos aqui de pelo menos dois ângulos diferentes, é quase inesgotável. E o que chama atenção é uma mudança de padrão da produção de sorvetes sem que a imprensa consiga compreender exatamente o que mudou, jogando mais na desinformação do que no esclarecimento do público. 

Enfim, os jornais, revistas e blogs participam da ignorância geral, ajudando a impulsionar a implantação do novo padrão de sorvetes industriais finalizados em lojas de rua. Em vez de ouvirem engenheiros de alimentos, preferem ouvir os próprios interessados - donos dos estabelecimentos - repassando o argumento de vendas como se fossem explicações satisfatórias.

No que tange aos sorvetes de rua, na forma picolé, a matéria de sãopaulo é suficientemente esclarecedora. Cita vendedores de sorvetes Nestlé e Garoto de uma distribuidora “autorizada” (eles vendem os famosos "sorvetes brasileiros"; outros, perseguidos inexoravelmente pelos fiscais da Prefeitura que, em geral, destroem as mercadorias e, às vezes, danificam os próprios carrinhos. Estima-se que são 138 mil ambulantes em São Paulo, que vendem de tudo, sendo que apenas 5% possuiriam licença de comércio ou TPU (termo de permissão de uso). Desde 2007 nenhum  novo TPU foi emitido.



Deixando de lado os picolés, a grande dificuldade advém do fato de não ser claro o novo papel da sorveteria como elo final de uma cadeia industrial. Como o produto industrial é finalizado na loja, sentem-se os donos de sorveteria à vontade para chamar o produto de “artesanal”. Aliás, os próprios pré-mix que são a base desses sorvetes trazem estampados nos pacotes a evocação “artesanal”. Os italianos, que desenvolveram essa indústria de excelentes máquinas e pré-mix, são também de competência indiscutível em marketing.

Mas, qual a novidade? É sem dúvida o chamado “estilo italiano” ou, como diz a Vejinha o “segmento dos gelatos italianos, conhecidos pela textura ultracremosa”. Mas, de onde vem essa cremosidade, ou como ela é produzida?

Ela é fruto de espessantes e estabilizantes que compõem a “base branca”, e também das máquinas capazes de insuflar, na mistura, uma quantidade de ar maior do que a que se consegue com as máquinas antigas. Então, comparando o padrão anterior à nova onda, o que houve foi inovação técnica industrial.

A expansão da Bacio di Latte, da rede argentina Freddo, Diletto, Stuzzi e tantas outras se deve a esse up grade técnico. É claro que há “bases brancas” de várias qualidades, e elas utilizam as melhores bases importadas da Itália e Argentina. Mas estão longe de serem “artesanais” no antigo sentido da palavra - quando designava um sorvete todo feito no estabelecimento, segundo técnicas tradicionais, fosse ele “sorbet” ou “glace”, conforme as categorias consagradas pela pâtisserie.

Esse fato tecnológico, industrial, recebe na imprensa a cobertura de uma camada de adjetivos que o esconde de modo eficaz. À palavra “artesanal” se somam informações como “as massas são feitas diariamente com leite integral fresco, frutas bem selecionadas e nenhum conservante artificial”; “de tão cremosos, nem dá para moldar os sorvetes no formato de bola”; “sorvete sempre foi uma sobremesa artesanal”; a preocupação com a qualidade da matéria-prima fica evidente: só frutas naturais e leite fresco são permitidos nas receitas, nada de gordura hidrogenada ou misturas prontas”.

Qualquer pessoa pode se dar conta de que sorvete deve ser feito todo dia, e não tem sentido que o leite ou creme de leite utilizados não sejam frescos, ou que as frutas sejam mal selecionadas. Não é disso que se trata. Acontece que esses cuidados, por si só, não produziriam esse “novo sorvete”. Senão ele já teria surgido.

O fato é que uma nova moda de gosto que consagra os pré-mix da base branca surgiu entre o público, e o marketing dessas sorveterias a aproveitam ao máximo. A ponto de a sempre “insuspeita” Kibon também colocar o seu bloco na rua, abrindo uma loja pop-up da Magnum, linha premium da marca, que fica nos Jardins até 10 de fevereiro. Ela também quer se contaminar desse espírito, que há de trazer vantagens comerciais para a linha normalmente vendida em supermercados.

Mas as modas são passageiras. Não será surpresa se os sorvetes “artesanais ao velho estilo”, clássicos digamos, voltarem na onda do elogio dos ingredientes que toma conta da gastronomia. Coisas nunca antes vistas, frutas produzidas de modo “sustentável”, por cooperativas de produtores, surgirão no horizonte. O que parecia tradicional, vira ultra-moderno. 

Também a tecnologia PacoJet e Thermomix dão bons resultados no preparo de massas só de frutas, sem qualquer aditivo químico, necessário para os “artesanais italianos”. Enfim, há espaço para tudo. Só é bom manter o consumidor bem informado, sem mistificações. É sempre uma questão de tempo e de educação do gosto. Afinal, Berthillon está sólido, em Paris, há meio século - cidade onde também não faltam esses “cremosos italianos” que agora se propagam aqui como cogumelos após a chuva.

2 comentários:

Unknown disse...

Artesanal virou sinônimo de 'melhor qualidade' rs

e-BocaLivre disse...

Tenho minhas dúvidas, Dirlene.

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