20/03/2013

Por que são tão ruins os serviços nos restaurantes paulistanos?


Em recente post, Alhos  desabafa sobre a má qualidade dos serviços a que foi submetido numa casa de chás. Ouço constantemente reclamações desse tipo e eu mesmo poderia colecionar uma série. 
Não faz um mês, fiquei 10 minutos esperando que me servissem uma dose de manzanilla num restaurante, depois de ouvir o garçom negar que tivesse “essa bebida”, que apontei na prateleira. Em seguida, ouvi o diálogo animado dele com outro garçom para saber como cobrar aquilo. Decidiram cobrar como se fosse um licor, visto que estavam convictos de que era uma bebida doce... Em seguida, mais 20 minutos para vir a entrada; em seguida, outro tanto para vir o prato principal - que o garçom derrubou no chão! Mais outro tempo para vir o novo prato. Dai, o garçon sumiu, e assumiu a função a mocinha do caixa, que disse que o chef “mandou pedir desculpas e nós vamos fazer um descontinho para compensar”. Claro, o “descontinho” nem veio - o que foi um alívio, pois sei que, mesmo que não cobrassem, não me sentiria “indenizado”. Preferiria pagar o dobro e ser bem servido.

Além do desastre completo, o que pode acontecer, fiquei meditando sobre a frase: “o chef mandou pedir desculpas”. Por que ele não veio pessoalmente, como seria mais elegante?

“Mandar fazer” é a chave do entendimento. E não é exclusivo de restaurantes. Uma amiga, dona de uma loja de roupas, me contou: “se você for a qualquer loja em Paris, como a da Dior, bem cedinho, vai encontrar a gerente limpando o chão. Ela vai interromper o que faz para lhe atender. Fará um café, mostrará as roupas e cobrará, sempre com um sorriso no rosto. Aqui, para eu poder abrir a minha loja, é preciso que lá esteja o manobrista, a faxineira, a copeira, a vendedora e a caixa. A gerente chegará mais tarde”. Por que essas coisas acontecem assim?

Muita tinta se gastou para entender a cultura do trabalho. Weber a associou à ética protestante. E a relação do capital com o trabalho manual é um tema antigo da sociologia brasileira. Um autor de que gosto muito, apesar de um grande reacionário, é Oliveira Vianna. Um dos seus assuntos prediletos é a relação dos homens livres e pobres com os grandes proprietários de terra; uma relação na qual avultavam os “favores” (moradores “de favor”, capangas que deviam uma espécie de vassalagem aos proprietários; etc). 

Para ele isso se explicava pela ideologia de uma nobreza portuguesa decadente que, aqui, veio relustrar os seus brasões. Pessoas que, segundo a vivência nobre, tinham horror ao dinheiro e ao trabalho, cabendo-o à chamada “gente mecânica” ou “de baixa mão”. Segundo ele,  a “economia pré-capitalista era uma economia inspirada nos objetivos de status, uma economia de vivência nobre (...) em que a ideia de aplicação consuntiva prepondera ou supera a ideia de aplicação produtiva” (Introdução à historia social da economia pré-capitalista no Brasil, 1958). Quanto mais empregados, mais status social, maior a rede de dependentes dos seus favores - e, claro, menor produtividade do trabalho dos homens livres, o "inútil utilizável" como escreveu uma outra analista.

Oliveira Vianna dá importância demasiada às idéias, aos valores. É dificil ver isso assim, cru, em qualquer lugar, como nos restaurantes, embora uma certa subserviência deva ter origem remota. Por outro lado, como apontam alguns analistas, a legislação da CLT - reforçada pelo corporativismo sindical - compartimentou os trabalhos de sorte que a produtividade sempre é baixa. O “pau prá toda obra” é uma exceção; um stakanovista odiado pelos colegas, como no velho filme cult de Wajda (O homem de mármore, 1976).

Faça um teste. Se você atirar um papel ao chão num restaurante pode apostar que muita gente passará sobre ele até que alguém se disponha a apanhar. Se cair um refrigerante, virá uma pessoa da copa para limpar. Um garçom nem pensa em fazer esse gesto! E os proprietários não gostariam mesmo que fizesse, pois ele poderá alegar, ao ser despedido no futuro, que acumulava as funções de garçom e faxineiro, reivindicando indenização e benefícios cumulativos. Mesmo no serviço público há a figura do "desvio de função". O sujeito fez concurso e se estabiliza para fazer uma coisa só pelo resto da vida, e a justiça lhe dá razão se for "desviado".

Num dos restaurantes dos quais fui sócio, os cozinheiros não lavavam a panela. Esperavam que o “pia” fizesse isso. Quando exigimos que eles mesmos lavassem, proibindo o “pia” de faze-lo, eles contrataram um empregado próprio, com o dinheiro da caixinha, e continuaram a não lavar panelas! Se ainda hoje coisas “nobres” e coisas “indignas” se inscrevem no universo do trabalho, talvez Oliveira Vianna tivesse mesmo razão...

Mas nos concentremos no salão de um restaurante. E, de novo, vem a comparação à mente. Num bistro francês, um garçom dá conta de atender até 10 mesas. Em alguns deles, antigamente, eles “exploravam” o ponto e podiam passa-lo adiante como ocorre aqui entre comerciantes. Aquela carteira enorme, recheada de dinheiro, praticando transações de mesa em mesa. De fato, eles “compravam” a mercadoria do dono do estabelecimento e revendiam pelo preço do cardápio, acertando a conta no final do expediente. O interesse objetivo era o mínimo de concorrência.

Aqui, 5 mesas por garçom é, aproximadamente, o cálculo que fazem os donos de restaurante. São todos empregados registrados, que ganham um salário e mais participação na caixinha. O resultado disso é que, quando a casa não está cheia, sobram muitos garçons sem fazer qualquer coisa. Você já deve ter notado que, em muitas casas, a televisão ligada é mais um atrativo para os garçons do que para a clientela. Jamais pensam que a fidelização do cliente dependa do seu desempenho. Quando acham a casa meio “caída” (o que se expressa na caixinha), puxam o carro.

Às vezes vou ao Rio de Janeiro e almoço em restaurantes tradicionais do centro. O serviço é completamente outro, e Antonio Prata o descreveu com graça e propriedade. Garçons mais velhos, não raro de gravata borboleta, paletós puídos mas impecavelmente lavados e passados, camisas idem, trazem de uma vez só o pão, a manteiga e o cardápio, perguntando qual bebida você quer, anotando também o pedido da entrada e prato. É o momento da “venda total”. Se você for tomar vinho, ele servirá uma só vez, deixando a garrafa sobre a mesa. Mas ai de você se desejar uma outra coca-cola! Será uma luta, pois, nos cálculos dele, só pretende lhe dar atenção de novo ao término do prato, oferecendo a sobremesa. Depois, é o café com a conta, antes mesmo de você pedir. Se você quiser um novo café, nem cobrará. Você terá, no máximo, 4 a 5 contatos pessoais com quem lhe serve. É um modelo em extinção, mesmo na cidade-balneário.

Em São Paulo - nos restaurantes ajardinados - duvido que você consiga ficar num número inferior a 10 contatos. E mesmo nesses 10 contatos, muitos incomodos e indesejados, não encontrará um padrão. São pessoas jovens, sem grande experiência, num setor que apresenta alta rotatividade de mão-de-obra. Isso é típico da expansão dos serviços, que ainda não encontrou o seu fim. Além disso, os próprios proprietários vem perdendo a noção dos modelos de hospitalidade, tornando tudo uma espécie de voo cego sem instrumentos.

Há muitos empresários novos no pedaço. Gente sem tradição no ramo. Talvez confiem demasiado em assessorias que, claro, só podem formular diretrizes, não zelar pelo dia a dia. Não há treinamento que possa familiarizar quem quer que seja com uma cultura de hospitalidade estranha ao dia-a-dia dos que deverão exerce-la. Por isso sempre se confia no “olho do dono”. Mas, o que ele vê?



Alguns desses empresários fazem sucesso mesmo assim. Começam a pensar e implantar “redes” de uma marca qualquer, atendendo à demanda crescente dos shopping centers aqui e no interior. Tornam-se absenteístas. Percebem nada além do caixa. As casas ficam em mãos de “gerentes” cujo objetivo único é o faturamento. Para estes, “padrão”, vindo de outro extremo, é a impessoalidade e a rapidez que um MacDonald apresenta. E está montada a equação desagradável a que constantemente nos submetemos, como Alhos relatou. Se não há quem “mande” a todo momento, a coisa não rola. 

Restauranters improvisados oferecem serviços idem. Cobra ou não cobra a água? Oferece ou não o couvert? Tenta vender o vinho assim que o cliente senta? Serve, gota a gota, a água e a cerveja? Colocam em baldinhos? Serve o vinho sempre que o copo está vazio? Recita como é o prato ou simplesmente espera o cliente perguntar? Diz “nós não dividimos pratos nem caipirinhas” (sic) ou simplesmente traz o copo que o cliente pediu? Pergunta se quer café Nespresso ou outro? Cobra o manobrista na conta? E assim por diante. 

Pessoalmente sinto-me estafado por um serviço desse tipo, mas ele é bem comum. Sem contar que, é óbvio, fica bem mais caro. Desnecessariamente caro. Tenho a impressão de  que Alhos só queria tomar um chá. E eu quero o meu filé ao ponto, e que não me chateiem enquanto como; que consigam me enxergar quando chamo.



12 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

Bela reflexão.

Léo disse...

Nos últimos anos comecei a reparar nisso e cheguei a conclusão que quanto menos vontade de agradar o garçom está (às vezes até meio mal-humorado), melhor é o desenlace da refeição. Talvez seja o que mais se aproxime da escola carioca citada, com esse tratamento objetivo e impessoal.

Anônimo disse...

Dória,
obrigado pela referência.
Eu queria tomar um chá e ler por uma hora enquanto esperava minha filha sair da escola. Em outras palavras, queria um refúgio e um descanso.
Abraços!

alhosepassas.wordpress.com

Anônimo disse...

Alhos, o problema é esse: de tanto se montar caça-níqueis em lugares de restauração, São Paulo vai ficando uma cidade sem onde se possa ir para tomar um simples chá. Imagine então comer bem COM um bom serviço...

e-BocaLivre disse...

Alhos, voce não está em Paris nem Londres nem Tokio! Como ousa querer tomar chá por aqui? Rs
Abraços

Luciana disse...

Perfeito!!

Patrícia Suzuki disse...

Olá Carlos! Gostaria de um email para entrar em contato, por favor. Grata desde já.

e-BocaLivre disse...

cadoria2@gmail.com

wair de paula disse...

Caro Doria, um dos problemas não seria nossa legislação trabalhista? O acumulo de funções a que você se refere é o pavor de todo empregador, por suas inegáveis conseqüências. Num intervalo de ópera ou musical nos E.U.A., dois atendententes de bar dão conta de todo um andar - recebem, dão troco, pegam a bebida, abrem a garrafa, servem, limpam o balcão - com eficiência. Aqui a mesma situação - um bar de teatro - tem um caixa (conseqüentemente duas filas de clientes - uma para pagar e outra para pegar o produto) e o dobro de funcionários necessários. Em suma - não é bom para o cliente, assim como também não é bom para o empresário.
Abraços

e-BocaLivre disse...

Sim, Wair, foi o que eu disse: "como apontam alguns analistas, a legislação da CLT - reforçada pelo corporativismo sindical - compartimentou os trabalhos de sorte que a produtividade sempre é baixa. O “pau prá toda obra” é uma exceção". Mas nunca vi sindicatos de bares, hotéis ou similares batalharem pela modificação desse ponto específico da legislação que compartimenta os trabalhos. Gostaria de estar enganado...

Anônimo disse...

Olá Carlos, tudo bem ? Aproveitando que o post é a respeito da má qualidade no atendimento nos restaurantes de SP, gostaria de deixar registrada uma experiência terrível que tive junto de um amigo, neste final de semana, no Tordesilhas.

Chegando ao restaurante, fomos colocados no andar de cima da casa. Depois de um tempo bebendo e petiscando, fiz o pedido dos pratos para o suposto gerente do estabelecimento.

Passado um bom tempo sem que os pratos chegassem à mesa, decidimos checar com um garçom se o pedido havia sido feito. Ato contínuo, descobrimos que o pedido dos pratos não havia sido feito. Nesse momento, o suposto gerente chega a nossa mesa não para tentar resolver a lamentável situação da melhor maneira possível, mas sim para argumentar em tom ríspido que o pedido não havia sido feito. Repeti que o pedido havia sido feito por mim diretamente a ele. Essa atitude gerou uma pequena discussão e, obviamente, o clima ficou insuportável.

Mandamos cancelar os pedidos e que trouxessem a conta, pois estaríamos indo embora daquele local. Nesse momento meu amigo disse ao garçom que nunca havia sido tão mal atendido na vida. Esse senhor desceu a escada e no andar térreo do restaurante disse em alto e bom som que “não estaria ali para servir bêbados”. Veja bem, nós que estávamos no segundo andar do restaurante ouvimos claramente o que esse senhor berrou no salão principal do mesmo.

Descemos até o térreo e fui conversar com o suposto gerente a respeito da ofensa que acabara de ser cometida pelo seu funcionário. Perguntei se a proprietária se encontrava no local, mas infelizmente a mesma não estava naquele dia. Tenho certeza que ela ficaria muito orgulhosa se tivesse acompanhado a atuação de seus funcionários. Diante de situação tão absurda, o suposto gerente não cobrou pelo que foi consumido e fomos embora.

Concluindo, pela primeira vez na vida sai de um restaurante sem comer, além de ter sido insultado e ofendido por um funcionário da casa.

Ivo Ribeiro disse...


Toda história tem mais de uma versão. Pena que esta é anônima. Li atentamente a reclamação, já tinha tomado conhecimento do episódio, e informo a nossa versão, apurada com rigor com nossos profissionais: esses dois clientes chegaram no Sábado entre 14:00 h e 14:30 h ao restaurante e só havia vagas no piso superior, onde eles foram instalados. Foram atendidos normalmente e, em determinado momento, como é de praxe, o garçom lhes perguntou se não queriam fazer o pedido, e eles responderam que não o fariam naquele momento, pois não estavam com pressa; isso se repetiu mais uma vez, e na segunda eles foram enfáticos dizendo que chamariam o garçom quando quisessem fazer o pedido. Neste intervalo de tempo o serviço de bebidas foi feito normalmente e em nenhum momento os clientes se manifestaram sobre a comida. Por volta das 16:00 h, dado o adiantado da hora, o chefe do salão se dirigiu aos clientes perguntando novamente se eles não queriam fazer o pedido, o que novamente foi negado; ele deixou os cardápios na mesa, que permaneceram até o fim do atendimento, o que, se não for uma prova, é um indício forte de que nada foi pedido, pois os menus são retirados da mesa imediatamente depois do pedido. Por volta das 16:30 h esses clientes começaram a reclamar de forma acintosa, quase aos gritos, dizendo que tinham feito o pedido há mais de uma hora, o que não aconteceu, pois no espaço onde eles estavam só os dois funcionários citados estavam encarregados desta função. O chefe de salão tentou resolver a situação e o mal-estar criado por estes clientes, dizendo que pediria os pratos, que não haviam sido pedidos antes, imediatamente, o que não foi aceito por eles. Eles ficaram alterados e começaram a agredir verbalmente os nossos funcionários, a reclamar de forma exagerada, começaram a criar problemas com a conta, e foram dispensados de pagá-la. O nosso chefe de salão tem 11 anos de casa, é uma pessoa calma e ponderada, e ficou transtornado por esse episódio, que nunca aconteceu aqui no restaurante; o garçom que os atendeu é muito experiente, tem 6 anos de casa, e errou porque fez um comentário inoportuno e inadequado, reagindo às provocações, e já foi advertido por isso. Mas a atitude dos clientes foi desrespeitosa com eles e com a casa, pois todos os procedimentos para lhes servir da melhor maneira foram obedecidos (inclusive troca constante de copos; acréscimo de gelo, refação de caipirinhas). Respeito é bom e todo mundo merece.


Ivo Ribeiro
Sócio-proprietário do restaurante Tordesilhas

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