18/04/2013

Preços altos e baixas exigências os males da paulicéia são



Capa do Paladar leva o leitor ao mercado Ver-o-peso, na sua madrugada. É sempre bom um passeio desses, embora raramente as matérias tragam novidade. A matéria acontece por conta da realização da 11ª edição do Festival Ver-o-peso.

Comida dá destaque de capa para a luta do paulistano contra os preços altos em restaurantes - em especial ao BoicotaSP. Reúne depoimento de consumidores insatisfeitos com a relação qualidade/preço. Outro site, com enfoque mais construtivo, o SP Honesta surfa na mesma onda. É bom que tenham surgido, e certamente outros virão na esteira.




Também acho um frango assado, como no Massimo Ferrari, a R$ 75, um abuso. Nem caipira é. E assim tantas coisas cidade afora. O que chama a atenção é que os proprietários não sabem explicar a razão de preços tão altos. Culpam os impostos (que ai estão nas mesmas taxas antes dessa espiral ascensional), os aluguéis e coisas assim. As margens de lucro dos restaurantes, hoje em dia, andam idealmente em torno dos 15-17%. É bem razoável, pensando qual a taxa Selic. Mas é muito difícil realizar esses percentuais, o que indica diferenças gritantes de padrão de gestão. Pagamos muita ineficiência e escolhas mal feitas em relação aos outros itens que compõem o prelo.

Não raro se encontra, ainda, vinhos e uísques majorados em mais de 100% quando chegam à mesa. A ideia de “nobreza” do ingrediente importado é o que empurra esses preços para cima, na medida em que consumidor e vendedor comungam os mesmos valores e deslumbramentos. Cada dose de uisque Red Label custa no máximo R$ 4,50 para o dono do estabelecimento. Por que raios deve chegar à mesa por R$ 12 ou R$ 18? Um lugar de tamanho médio no Itaim custa, de aluguel mensal, entre R$10 mil a R$ 12 mil. Se tiver cerca de 2.500 clientes por mes, a dose do uísque terá, de custo, o seu preço dobrado. Sem contar a mão de obra, os impostos. Ai se chega fácil aos R$ 15 para o sujeito salvar o seu “lucrinho”. 

Da para entender como se compõem os custos, o que não dá para entender é por que raios o empresário vai vender seu uísque lá e por que raios o consumidor vai bebe-lo lá. Enquanto os restaurantes não migram para bairros mais baratos, a solução tem sido beber e comer em casa. Enfim, vai-se chegando ao esgotamento do “modelo jardins” de restauração. Com o tempo a dispersão se imporá à concentração espacial. É só esperar.

Agora, não se pode colocar no mesmo saco o preço dos chamados “restaurantes gastronomicos” como DOM, Mani e uns poucos mais. Praticam preços altos, mas não são lugares para se ir no dia a dia, embora muitos endinheirados o façam. São lugares para comemorações em torno do prazer de comer. O importante ai não é o que se gasta, mas o prazer que se consegue alcançar. “Gastronomia” pode se dar a preços populares, mas admite também experiências caras. Confundir as duas coisas é bem caipira, e só endinheirados não se dão conta das diferenças porque não precisam. Fabio Moon, no Instagram, é uma fantasia dos tempos que correm.

Josimar resenha o Osaka da rua Amauri. Nipoperuano. Estacionamento 25 mangos. A turma do Kakau Park mete a faca sem dó. Ceviche, R$ 46. Boa sobremesa de chocolate. Uma boa refeição, R$ 200. Barulho insuportável. É um lugar mais para ver e ser visto do que para falar e ouvir. Alternativamente você pode ir ao Tradiciones Peruanas, no centrão. Estacionamento em zona azul ou a R$ 10. Ceviche pela metade do preço e serve dois. Um quarto do preço então. Como dissemos antes, tudo é uma questão de escolha, pois oferta variada há. Pessoalmente gostei da comida dos dois, e quando o propósito é apenas comer uma comida peruana, o do centrão responde muito bem.




A luta pela qualidade alimentar é também uma luta por palavras. E no momento em que Papeles de Cocina acaba de fazer, na Espanha, um encontro sobre as fronteiras entre a indústria e o artesanato; no momento em que os grandes chefs franceses lançam um selo de qualidade para diferenciar o artesanal do industrial  em restaurantes, o que vemos no Comida é a sucumbência diante do discurso enganador. A matéria “sorvetes artesanais conquistam mais espaço em São Paulo” nada mais é do que isso.

Oito lojas com o perfil de “produções artesanais” (sic) de sorvetes abriram nos últimos 10 meses em São Paulo, sendo que mais 15 serão abertas nos próximos 12 meses. Maquinas e matérias-primas importadas; redes de sorveterias presentes em países como França e Inglaterra, novos conglomerados que se formam (Diletto) firmam nos espíritos ingenuos um padrão que teimam chamar de “artesanal”. O dito “sorvete italiano cremoso” caiu no gosto do consumidor e, em boa medida, sob a mística do “artesanal”. Todos partem de pré-mix que nenhum jornal ou revista ainda se dignou a analisar nos seus componentes. A articulista contenta-se em dizer que determinada marca não usa “estabilizantes”. E por que utilizaria, se o sorvete pode ser batido diariamente? As “pequenas produções” não são produções; são misturas feitas em pequenas quantidades nos pontos de venda, vindo prontas da indústria remota (Itália, por exemplo). Nada mais que isso.

A grande ilusão é essa: as sorveterias se tornaram o elo final de uma cadeia industrial que permite costumizações nos pontos de venda. Mas, inversamente, ninguém pensa em chamar de “artesanal” as máquinas de mix da Coca-Cola, que misturam xarope e água nos pontos de venda.  Dura, incansável, é a luta pela qualidade e pelo preço conveniente.

Paladar registra nascimento da Ong ATÁ, de Atala e amigos, coisa que Comida passa ao largo. Uma instituição voltada para fazer o bem através da culinária, salvar populações e alimentos da Amazonia. Registram os autores que atá significa fogo em língua baniwa. Em português significa “andar ao acaso”, sem rumo certo. Só a prática colaborará para a “desambiguação”, e os fundadores merecem um bom crédito.

Dezenas de queijos artesanais mineiros, gaúchos e pernambucanos encontram-se a venda na Queijaria, loja recém-aberta em Pinheiros, noticia Paladar.É uma boa, pois aos poucos o tabu do leite cru vai sendo derrubado. Uma matéria melhor do que a da semana passada, que fazia uma degustação enviesada de queijos.

Paladar oferece, ainda, receita de frango com laranja. É uma nova seção, comandada pela editora Patricia Ferraz. Um “panelinhas” em conta-gotas, com receitinhas fáceis. Totalmente dispensável. Parece que o conceito desses suplementos culinários anda seriamente abalado.


6 comentários:

Anônimo disse...

Carlos, descobri seu blog há um mês e desde então sou leitor cativo. Gostava do sorvete da Baccio de Latte dentro do palido espectro de sorvetes em São Paulo, apesar de não se comparar com uma Berthillon, ou mesmo com a italiana Grom (se bem que fui lá em 2008 quando ainda era uma ou duas lojas em Turim e Florença, com o rapido número de filiais abertas começo a desconfiar que a Grom também seja apenas "artesanal"). Saber que os sorvetes são feitos com massa pré pronta foi decepcionante...

Por isso gostaria de saber se você poderia indicar alguma sorveteria artesanal de verdade em São Paulo e se possível outros exemplos de sorveterias artesanais pelo mundo!

Muito obrigado!

e-BocaLivre disse...

Anônimo, vc tem poucas sorveterias artesanais remanescentes em São Paulo. A Alaska é uma delas. Tem lojas da antiga "Frutos do Cerrado", que agora se chama "Frutos do Brasil", me parece. Mas a melhor mesmo é a Sorbê, em Brasilia...
abrçs

e-BocaLivre disse...

Anônimo, preciso acrescentar que não sou contra os sorvetes industriais. O que falta neles é transparência quanto aos ingredientes todos. E a usurpação da palavra "artesanal", que gera o embasbacamento da imprensa...

Guilherme Bittar Celestino disse...

Ah, muito obrigado pelas informações, eu também não sou contra, mas é bom saber o que estamos comendo, afinal é diferente comer um produto único de algo feito em escala industrial (e pagar como se fosse produto único). Abs, Guilherme

Unknown disse...

Também não entendo como o sorvete pode ser "artesanal", a mágica (emulsificação e aeração) só acontece por causa de uma máquina-batedora (muitas vezes, enorme). Caso contrário ia ser um bloco congelado de água, açúcar e gordura.

Podem ser muito gostosos, mas artesanal mesmo… quando li a matéria da Folha logo pensei em você, heheh

espressa-mente! disse...

O Diletto foi comprado para virar marca global afim de fazer frente a outro "artesanal", a haagen-Dazs!

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