01/08/2013

Robinhoodismo da imprensa: Folha e Estado na defesa do bolso paulistano



Comida se esforça para se projetar como principal protagonista da discussão sobre os preços altos em restaurantes paulistanos, oferecendo-nos a “objetividade” de uma pesquisa Datafolha. Paladar vai na mesma linha, mas procurando sugerir estratégias para o consumidor gastar menos: como deve fazer o pedido, que tipo de cilada há nos cardápios, onde não se cobra couvert, onde não se cobra água e onde não se cobra rolha.

Raros são os momentos em que os dois jornalões fazem capa sobre o mesmo tema. Eles odeiam ser “furados” mas, desta vez, ocorreu. Paladar, que sai às 5ªs, viu o tema já explorado nas bancas. Para o leitor, tanto faz. O importante é a profundidade e originalidade da análise.

“O momento é de insatisfação geral. O programa preferido do paulistano virou motivo de irritação: comer fora anda cada vez mais caro, as pessoas acabam saindo menos, procurando lugares mais baratos e controlando os gastos à mesa. Do outro lado do balcão, donos de restaurante reclamam das dificuldades em equilibrar as contas a manter a rentabilidade. A gritaria só aumenta”, diz o Paladar.
Robinhodismo de imprensa à parte, Datafolha informa que exatos 71% dos paulistanos acham muito caro o preço dos restaurantes. Mesmo assim, nos últimos seis meses a frequencia geral continuou a mesma ou aumentou para 78% dos frequentadores. Choram de barriga cheia. Os que diminuiram a frequencia (21%), o fizeram em função da “falta de segurança” (55%).

O grupo Rascal diz que o movimento das lojas de rua caiu uns 20%. Para eles, “segurança é, hoje, uma preocupação do setor de restaurantes”. E ai surgem, então, os heróis do lazer: os shopping centers. Em 2013 o Brasil terá 498 shopping centers, com um trafego de pessoas estimado em 398 milhões e 694 mil vagas para carros.  

Essas cidades artificiais vão transformando o país público, das ruas e praças, num país de merda; o pais luminiscente numa Miami em Copacabana. Esse o ideal: até o Ministro Barbosa, do STF, comprou apartamento em Miami (saudade de Eros Grau, que comprou o seu em Paris e ainda cometeu um romance ambientado em Saint-Germaine...). 

Só São Paulo tem 9 mil lojas em shopping centers “miamizados” e uma nova estratégia de ancoragem da alimentação nesses espaços tem feito os administradores atraírem restaurantes bem sucedidos nas ruas para o “in door” dos shoppings. Ritz, Spot, Ici, Troisgros, vão sendo absorvidos. Muitos outros virão, até com surpresa para o leitor.

Paladar faz uma radiografia de como se compõem os preços finais dos pratos em vários restaurantes, mostrando que os “lucros” estão entre 8-12%. Já os custos (aluguel, salários, tarifas públicas) giram entre 56-44%. Argumento um pouco falacioso porque, nesse caso, misturam custos fixos com custos variáveis e não se informa a quantidade de clientes, que é o que permite diluir os custos fixos.

“Os restaurantes não podem ficar parados. Temos que nos mexer. E quem não se adaptar vai fechar”, diz sócio do Pobre Juan. Mas mesmo  a choradeira dos preços encontrará paliativos nos shoppings centers. 

As redes nacionais e internacionais de alimentação vem ai com tudo, sob a forma de franquias - forma privilegiada para instalação em shopping centers. As 481 marcas de restauração existentes em 2011 saltaram para 573 em 2012 (19% de aumento), com evolução de 13,8 mil lojas para 16 mil em 2012 (15,6% de aumento). 

Claro, há marcas como o americano Le Bilboquet, que não é barata, mas surge também o americanizado BOS BBQ, como seu almoço a R$ 29,90, que é relativamente barato. Ambas começam nas ruas mas estão destinadas a shopping centers. A crise, na verdade, é uma crise no umbigo do mundo, mostrado no mapa. Andando um pouco, é possível sair da geografia da crise.



No fim, sobrarão nas ruas a dita alta gastronomia e os pés- de-chinelo, como um tal Abu Ali (rua Barão de Ladário, 922) no Pari, que André Barcinski recém “descobriu” (sim, porque existe há 13 anos) e anunciou no Comida. Barcinski parece ser o único que anda pela cidade, como um Indiana Jones da selva urbana.

Mas me fica uma dúvida: será que o que alavanca o avanço dessa cultura é “a falta de segurança” das ruas? Duvido. As mentes miamizadas são um universo em expansão sem buracos negros.











2 comentários:

Guilherme Bittar Celestino disse...

Concordo com o artigo, mas acho que a 'redização' é uma tendência mundial e independe de shoppings. Não sei sé é muito melhor ter lojas e restaurantes "de rua" se eles são quase todos ou os mesmos ou iguais, virando um shopping ao céu aberto igualmente padronizado. Dois exemplos, no Reino Unido percebi que os restaurantes para a classe média seguem uma lógica autodestrutiva. Quando se abre um bom restaurante (com os produtos orgânicos e fair trade indispensáveis para a classe média descolada e consciente da terra da Queen que já abandonou o fry up)em poucos meses já há uma filial e assim adiante até se transformar em uma rede enorme com unidades em todas as cidades do Reino (quando eu falo todas é todas mesmo) e bye bye qualidade. O que sobra de diferente? Os mesmos extremos de alta (cozinha molecular inclusa) e baixa gastronomia que vemos em São Paulo. Em recente passagem por Paris percebi que a lógica só não é a mesma por conta da carapuça de originalidade. 'Bistrôs' com comida padronizada (Confitzzz, foi graszzz, tartarezzz) em que muitas vezes o fornecedor do prato já pronto é o mesmo, o famoso pega turista. O que salva? Em Paris especificamente é ainda pior já que o que fica é a alta gastronomia e alguma ou outra surpresa étnica acessível, já que a baixa gastronomia (e mesmo street food) é mais raro. No geral o melhor é ir ao supermercado...

Diogo disse...

Pequenos empresários da alimentação que pensam em se render aos shoppings centers: abram os olhos e garantam bons assessores jurídicos.

Quem conhece o sistema de administração de shoppings no Brasil sabe que ao colocar um negócio num empreendimento desses você estará praticamente compartilhando uma parcela da sociedade. Isso não é exagero! Ao ler com cuidado um contrato de locação padrão, perceberá que é um acordo totalmente desleal ao locatário. Exemplos:

a) se desconfiarem que você não está informando o faturamento corretamente (você é forçado a informar as vendas mensais), a administração do shopping pode utilizar de uma auditoria interna para avaliar se as vendas estão acima do ponto de equilíbrio e cobrar um aluguel percentual, x% do total faturado no mês. Traduzindo: se você está vendendo mais do que planejou quando abriu a empresa o shopping tem direito sobre esse lucro. É mole?

b) se não existir o pagamento de luvas, aquela taxa abusiva que "dá o direito" de explorar um determinado espaço por um período geralmente de cinco anos, o shopping pode reposicionar sua operação para outro ponto sem necessariamente ter uma justificativa plausível - o motivo mais comum é que encontraram alguém que pagará um aluguel maior que o seu.

Um dos grandes problemas é que hoje todo empresário quer ser dono de um império. E os shoppings de bairro? Solucionam a segurança, oferecem conforto, podem oferecer vantagens competitivas aos lojistas. Mas ninguém quer investir nisso. Só se justifica o lucro astronômico.

Para consumidores e gulosos é um caminho sem volta, quanto mais restaurantes aderirem aos shoppings, maiores serão os preços pagos. É o tipo de negócio que mesmo aumentando o consumo, o preço não reduz.

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