03/10/2013

Tilápias & picles


Comida traz peixes na capa. Por que o brasileiro come tão pouco peixe? Porque a indústria pesqueira é subdesenvolvida. E por que ela se “sub-desenvolveu”? Um mistério para o jornal e, portanto, para o seu leitor. Mas vêem ai os peixes importados, congelados, originários do Canadá e do Alaska. O salmão do Alaska, selvagem, não será mais aquele frango-d´água doentio, cultivado no Chile. Tudo irá melhorar.
Mas Comida é, também, desinformação cultivada. Ensina como voce pode estragar, em casa, o bom pescado! “No forno, os peixes não devem ficar mais de uma hora”. Não depende nem do tamanho da peça nem da temperatura do forno? Ok. Esturriquem seus peixes, caros leitores.

Assim é, aliás, a cultura brasileira: carnes sempre overcooked, seja por argumentos “sanitários”, seja pelo gosto. A exceção fica com o churrasco, que na verdade pertence ao domínio cultural do “cru”. E se há algo que os chefs podem fazer é reeducar os clientes no melhor ponto de cocção das carnes de todo tipo.

E não sei como Comida conseguiu adaptar as tilápias, peixes de rio, ao mar! Mas é o que está lá... Sei que elas recebem hormônios sexuais, que convertem as fêmeas em machos, que triplicam de tamanho, mas não sei como pode esse peixe vivo viver fora da água doce. Como poderá viver? 

E faltou falar dos outros peixes brasileiros de rio, além da tilápia, que frequentam o mercado aqui e ali: o pacu, o  tambaqui, o tucunaré, o pirarucu, o pintado, o dourado, os lambaris, os bagres. Vê-se que jornalistas não pescam, vivem mais distantes dos peixes do que “o mercado”, e talvez nem apreciem o 28 de setembro, data do reconhecimento da relevância da pesca esportiva nos EUA.

Enfim, a caça&pesca é um capítulo esfacelado da civilização alimentar brasileira quando se está longe da Amazonia ou do mar. O “peixe fresco” dos mercados cariocas e paulistas têm, no mínimo, duas semanas de pescados. Dai a piada: “Não, madame! É só o jeito dele mesmo...”. Por isso o Canadá e o Alaska estão mais pertos, por isso filés congelados de produtos híbridos da piscicultura ganham espaço nos supermercados. 

Alexandra Forbes fala da “curiosa tendência” de se comer pele de frango, abandonando-se outras partes do animal. Isso que dá reificar a comida sob o manto da “gastronomia”. Nina Horta continua sua viagem em direção ao âmago dos ingredientes: desta vez as palmeirinhas de sagu e seu cheiro. “Não compro nenhuma fruta sem antes sentir o cheiro”, cita Ruth Levy. E deviam os chefes cheirar a pele do frango antes de a entuchar nos clientes. Sinto nela um cheiro nojento de ração. E voce?

Fernanda Meneguetti resenha o novo livro de Vargas Llosa, O herói discreto. Elenca as referencias à comida na nova novela, mas ficamos sem saber sobre a qualidade literária da obra, se preenche aquele requisito de que é melhor ler um bom livro do que sair por ai, comendo desbragadamente. A revisão do texto também não é boa (“e de outras 37 outras casas ao redor do mundo” (sic)). Falta gente no jornal?

Paladar investe, na capa, nos picles. “Picles é pop”.  Percorre vários restaurantes in, destacando a variedade de ingredientes conservados no vinagre. Procura revestir uma antiga tradição doméstica de  “tendência que já se nota com força da Vila Medeiros à Vila Nova Conceição; no Brooklyn nova-iorquino; e de Berlim a Tóquio”. Não é fácil. Sempre as “tendências”, essa categoria moderna que substitui, em boa medida, o velho jornalismo investigativo.

Luiz Américo resenha o restaurante coreano Bicol. “Não estou dizendo que você irá ao BiCol para uma inesquecível refeição gastronômica. Estou propondo uma vivência urbana fora da rotina, com direito a comer bem e fartamente, saindo do esquema badalação/valet/hostess. E com possibilidade de um footing final no quase vizinho Parque da Aclimação, para ajudar na digestão”. Pessoalmente gosto desse restaurante, mas acho que há um longo caminho ainda para a comida coreana cair no gosto do paulistano. Ainda não é "tendência"...

3 comentários:

Ricardo Neves Gonzalez disse...

Dória, não consigo entender. Não é apenas com peixes que isto acontece. Já comentei isto aqui. Moramos no Brasil e muitos de nós, eu inclusive, nunca viu na vida um Pirarucu, um Pacu, um peixe Amazônico. Mas salmão do Alasca, Pollock dos mares do Norte, Bacalhau da Noruega, estes estão nas prateleiras de todos os mercados!!!! Meus filhos crescem sem NUNCA terem visto na vida Sapoti, Jambo, Abiu, Cupuaçu, e outras frutas muitas delas, a grande maioria brasileiríssimas e desconhecidíssimas!!! Culpa de quem? Creio que os governantes o Ministério da Cultura deveriam se preocupar muito com este paradoxo. Vivemos em um oásis de frutas tropicais sem sequer podermos experimentar ou conhecer, visualizar a maioria delas, somente por fotos!! Triste, muito triste!

Nicolás Linares disse...

Caro Prof. Dória,
Queria saber sua opinião sobre as razões pelas quais a comida coreana em são paulo ainda é pouco conhecida e pouco consumida pelo grande público. Que "falta" para que comida coreana vire "tendência"?
Muito obrigado.

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Parabéns pelo o blog, adorei... muito bom mesmo!

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