19/02/2014

Nem tecnologia, nem naturalismo ingênuo

Alhos, passas & maçãs faz uma interessante resenha do restaurante Oro que, infelizmente, ainda não conheço, apesar de gentil convite de Felipe Bronze. As resenhas de Alhos são quase sempre coincidentes com as minhas apreciações, mas quero destacar outro tema do seu texto: o uso intensivo de tecnologia culinária.

Diz ele que “o chef (Bronze), conquistou a antipatia de colegas de profissão e a desconfiança de comensais graças aos recursos tecnológicos a que recorre em seus preparos”. Mas, para Alhos, “o Oro ajuda muito a pensar o lugar da tecnologia na cozinha”.

Tem razão ele ao registrar que “pouca coisa parece ter mudado na forma como a maioria dos cozinheiros encara o lugar das novas invenções na cozinha. O tratamento da mídia especializada sobre o assunto tampouco facilita a percepção de que há mais, e mais profundas, coisas no céu e na terra da gastronomia do que normalmente sonhamos”.

Acho que as razões pelas quais se rechaça a tecnologia-intensiva na cozinha variaram com o tempo. No passado, ante a monumentalidade do El Bulli, o reacionarismo parecia mover-se por mera inveja e ignorância. Depois, o mundo se infestou de espumas, de baixas temperaturas, ovos perfeitos, e não se falou mais nisso.

Agora, quando a tecnologia culinária parece ter se estabilizado, o mundo dos cozinheiros e da midia especializada volta-se para o artesanal, o “natural”. Veja  a moda dos pães de levain (nome pedante de fermento, como se a mudança de idioma mudasse sua essência), adotada sofregamente por gente que sequer sabe quais os componentes de um fermento industrial e muito menos o que haveria de errado com ele, ou, mais recentemente, a moda patética de se fazer manteiga “em casa”, simplesmente batendo o creme de leite pasteurizado que se encontra nos supermercados.

Tudo isso expressa uma recusa aos processos seriados industriais, cujas etapas não se “vê” e que, por isso mesmo, parece constituir uma cautela diante de uma indústria que só merece desconfiança. Nem tudo, porém, é passível de substituições desse tipo, e o home made urbano de maneira alguma nos liga de forma imediata ao “simples”.

Ora, a tecnologia de restaurantes é o elo final da cadeia obscura que começa na agricultura. Como é vitrine, nela atiram a primeira pedra. Do ponto de vista gastronômico, pouco importa o percurso adotado pelos chefs se chegam a bom resultado, e é preciso aprender a julgar pelo resultado - o que não é fácil! A liberdade de ação é fundamental para que os chefs possam bem expressar o que queiram em termos de sabor, textura, aroma, formas e cores. Impor-se, por pressão do público e da midia, seja o levain, seja a Thermomix, é igualmente desastroso.

Caminhamos, de forma consciente ou inconsciente, para uma gastronomia de conceitos. O que é “natural”, o que é “nacional”, “étnico”, “vegetariano” e assim por diante parece  um primeiro plano de definições que o chef, para bem exercer sua profissão, precisa dominar perfeitamente antes mesmo de lançar mão de uma determinada matéria-prima in natura ou de uma técnica moderna ou tradicional. É esse seu entendimento que será responsável, em última instância, pela qualidade e inovação gastronômica.

A exigência será uma maior “intelectualização” de quem lida com gastronomia, caso não queira ficar para trás, comer gato por lebre, falar bobagem pontificando. Assim como a enologia tornou-se ridícula na boca dos enochatos, a gastronomia em geral só se salvará por meio de um discurso culto e consistente.

2 comentários:

Ricardo Neves Gonzalez disse...

Carlos, vejo toda esta química e tecnologia com extrema felicidade mas extrema desconfiança! Felicidade por saber que ao utilizar todo este arsenal químico, aparecem os opositores, os que são do contra e que querem sim o alimento feito à moda antiga.Me incluo neste segundo time! O que há hoje é uma extrema confusão dos que querem criar novas coisas em cima de conceitos e definições imutáveis a meu ver. Já falei aqui. Criar uma espuma químicamente com injeção de óxido nitroso pode ser legal.Mas dizer que esta espuma é pão....Deus me perdoe. É tremenda falta de informação sobre o que é pão na sua verdadeira essência. Farinha, fermento e água! Isto nunca mudou, nem pode mudar!!! O dia que passarem a fazer pão sem estes ingredientes, principalmente a farinha...mudo de profissão! Então o que vemos é gente nova tentando errôneamente modificar bases de criações alimentícias que são sacramentadas e imutáveis. É a mesma coisa que aparecer um sujeito amanhã que resolva criar uma omelete sem ovos!!! Falta informação básica sobre estes conceitos que NÃO podem mudar!
Já as máquinas e tecnologias devem sim, ser utilizadas em prol da melhoria das técnicas e das texturas. Eu faço panificação artesanal, mas não abro mão de uma boa batedeira ou masseira! Os pães de Lionel Poilâne são artesanais e ele que já faleceu, também não abria mão das masseiras em prol da qualidade de seus pães!

Anônimo disse...

Dória,
obrigado pela menção. Ando meio atrapalhado; só vi hoje.
Abraços!

alhosepassas.wordpress.com

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