09/03/2014

A vanguarda démodé em gastronomia


Vanguarda é esse lugar que se ocupa no futuro antes que todo mundo chegue, tornando-o uma banalidade. É essa capacidade de puxar a fila, destacando-se dela e avançando sozinho.

A última vanguarda culinária de que se tem notícia foi a empreitada de Ferran Adrià. Ele soube olhar para as ciências e desenvolver aplicações culinárias como nunca. Como ele mesmo citou na entrevista no Roda Viva da Tv Cultura, o uso do nitrogênio líquido permitiu criar coisas inexistentes.

Os movimentos vanguardistas se disseminam através da cópia, da imitação. Lá no começo foram as espumas. Todo cozinheiro com pretensão moderna peregrinou para a Espanha, como quem ia para a Santiago de Compostela do futuro.

Depois que todo mundo se tornou moderno, ficou chato e veio o desejo de ser eterno. Nada que fosse reacionário, mas o olhar para trás mostrou coisas boas que haviam ficado pelo caminho.










E ai surge a vanguarda démodé. Gente que continua seguindo para a Compostela do futuro sem perceber que ela já não é mais o destino da humanidade. Ainda hoje topamos com espumas, nitrogênio líquido, baixas temperaturas. O trem, que está atrasado, já passou.

É como aquele personagem imortal de O Século das Luzes, de Alejo Carpentier: Victor Hugues, entusiasta de Robespierre e emissário da Revolução Francesa para todo o Caribe. Cada vez mais radical e mais solitário, Hugues instaura a guilhotina como parteira do mundo novo quando as novas leis napoleônicas sinalizam a guinada à direita.

Muitos novos cozinheiros, querendo sinalizar para o mercado que são “de vanguarda”, ainda recorrem àquelas tecnologias que já não encerram novidades. Espumam inutilmente. Tem dificuldades em perceber que, como Victor Hugues, estão sós.

Mas a solidão não é necessariamente um desatino; é a condição básica para congregar gente em torno do novo:


Astronauta libertado


Minha vida me ultrapassa

Em qualquer rota que eu faça

Dei um grito no escuro

Sou parceiro do futuro

Na reluzente galáxia

1 comentários:

Guilherme Ranieri disse...

Imagine que estou com o "A culinaria materialista" em mãos quando resolvo procurar sobre os óleos de indaiaçu e umirium, por pura curiosidade. Caio aleatoriamente nesse blog, e leio vorazmente todas as postagens. Quando, então, decido descobrir quem é autor: Carlos Alberto Doria. Você involuntariamente está me cercando de bom conteúdo (e mea culpa, que fui atrás). Via inteligente agora na internet, que bom!

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