03/04/2014

Jornalismo pamonha

O jornalismo é uma forma de conhecimento objetivo como se pretende? Não, não é. É uma forma de invenção, de fabulação. 

Hoje o Paladar traz capa sobre pamonha. Mas o que é pamonha? “Quitute feito de massa de milho pilado, embrulhado em folhas de bananeiras e cozido n´água, dando uma polenta grosseira, que me tem muitas vezes servido de pão”. Assim Ermano Stradelli registrou. Como tantos outros autores: o milho verde ralado, pilado, passado pelo liquidificador, pouco importa. Depois cozido em água abundante, em embalagem feita da própria palha do milho.


Para o Paladar é isso mais aquilo, sendo aquilo o fruto da tese ousada: “pamonha não é privilégio paulistano e nem brasileiro. A América Latina toda tem o costume de comer essa massa de milho embrulhada. O princípio dos pratos é parecido, já que o milho era uma das bases da alimentação dos indígenas americanos antes da chegada dos europeus”. Pamonha vem de pamuna, do tupi.


O jornal se refere a tamales, humitas, hallaca. E coloca no mesmo saco aquele tamal mexicano, feito pelo processo de nixtamalização  - grande descoberta civilizatória, milenar, dos índios norte-americanos, de complexidade técnica equivalente à descoberta do tucupi - utilizando uma infusão alcalina para “cozinhar” previamente o milho.  Era só conversar um pouco com a Neide Rigo, que já tratou disso, para melhor se informar.


Digamos que, ao contrário desse tipo de jornalismo, sejamos daqueles para os quais cada cultura é única, singular nas suas soluções de vida. Tamales, humita, hallaca representam essas trajetórias milenares de distintos povos americanos para definir alimentos à base de milho, esse cereal que é a grande contribuição do continente para a alimentação mundial moderna.


A matéria do Paladar é exemplar: devia ser usada nas faculdades de gastronomia para ilustrar como não se deve tratar um ingrediente - o milho no caso -  despindo-o da cultura em que está imerso para toma-lo apenas como espécie natural. Ao desprezar suas formas de transformação - cru, seco e feito farinha, nixtamalizado - busca apresentar uma visão-pamonha das culturas.  Preguiça, pois tantos são os encantos nacionais da pamonha que não era preciso violentar outras culturas alimentares para encher páginas do jornal.

1 comentários:

José Luiz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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