Nascido em 5 de maio de 1818, Karl Marx é o verdadeiro fundador das ciências humanas e, nessa condição, seu pensamento patrocina o conhecimento sobre como a alimentação se articula com a totalidade da vida social. Ele foi o primeiro a demonstrar que nenhum fenômeno humano pode ser explicado a não ser por referência ao processo de sua produção material.
É no processo de produção da vida material dos homens que todos os fenômenos culturais tomam forma e se apresentam como nos é dado percebe-los. Mesmo os fenômenos ideológicos - toda a vida simbólica - estão enraizados nesse terreno de produção material, por mais difícil que seja compreende-los.
Aqueles que se dedicam ao estudo da alimentação devem prestar especial atenção às condições de produção dos alimentos, num processo que se inicia na escolha do solo e termina na forma final do produto. Sem isso, detendo-se apenas nos aspectos simbólicos, como as práticas sociais relacionadas com o consumo, ou mesmo nos discursos sobre a “qualidade” do que se come (a gastronomia), não se chega a uma compreensão razoável.
Pelo método de análise inaugurado por Marx não tem sentido, por exemplo, imputar-se a algo a qualidade de “ingrediente”. As coisas naturais não são ingredientes, pois esta qualidade depende da posição que ocupam no processo de produção. Como ele indicava, produção é imediatamente consumo e consumo é imediatamente produção sendo que “o caráter de produto, de matéria-prima ou de meio de trabalho não se fixa a um valor de uso senão conforme a posição determinada que ele assume no processo de trabalho, senão conforme o lugar que ele aí ocupa e sua mudança de lugar muda sua determinação” (O Capital, cap. 5).
Assim, a condição de ingrediente ou produto é intercambiável, e não depende dos atributos naturais da coisa. Isso é importante porque é grande hoje a tendência a se “fetichizar” o ingrediente, apresentando-o como coisa arrancada da natureza como se lá estivesse à espera do cozinheiro engenhoso. Há livros e livros sobre ingredientes que, analisados mais de perto, se vê que são produtos - e isso faz toda a diferença.
Na produção dos modos de vida, equivalentes à produção da própria vida através do trabalho, o homem se historiciza, diferenciando-se dos outros animais. E isto porque o seu trabalho corresponde a formas culturais de apropriação, radicalmente diferentes da “luta pela sobrevivência” no modo que impera entre os animais. O homem, ao contrário, tem em mente um projeto que conduz todos os passos da produção, inclusive utilizando ferramentas, que são objetos que produziu previamente inscrevendo neles uma finalidade.
É isso o que significa dizer que “comida é cultura”, como é usual entre nós mas muitas vezes reduzindo o processo aos aspectos simbólicos do alimento “pronto”. Portanto a análise da alimentação corresponde à análise das formas culturais de produção do alimento cujo consumo produz o próprio homem.
Marx e Engels analisaram também a fome, a especialização do consumo de batatas na Irlanda, e tantas outras situações alimentares críticas ao longo da história, a falsificação de alimentos, etc. Não lhes escapou sequer o registro sobre a insipiente indústria de fertilizantes e o grande futuro que lhe estava reservado, capital para as reflexões sobre a “sustentabilidade”.
Marx está, portanto, no coração do conhecimento moderno sobre a alimentação e se, nas universidades, hoje se dá pouca atenção ao seu pensamento, considerando-o “clássico” mas “ultrapassado”, outra razão não há senão os estragos provocados pelas ideologias anticomunistas e do liberalismo sobre o conhecimento humano de caráter científico.
05/05/2014
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1 comentários:
CA Doria, obrigado pela reflexão, muito própria para quem, como eu, está às voltas de um artigo sobre Produção Integrada, este controle de produção agrícola que leva em conta o processo de produção considerando o conjunto das suas determinações, seja sobre as condições naturais de produção, o modo de fazer, a relação com o homem na terra, no laboratório e no mercado.
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