10/06/2014

Elogio do restaurante Trindade

Conheci Felipe Rameh há cerca de 10 anos, quando trabalhava no DOM, ao tempo em que ainda era o “Sansão”. Seguramente o cozinheiro mais talentoso da brigada de Atala à época. Mas só agora pude ir ao encontro da sua cozinha, no restaurante Trindade em Belo Horizonte.


Ano passado estivemos juntos numa mesa de debates (Festival de Tiradentes) , com vários outros cozinheiros, sobre modernidade e tradição. Felipe, sem dúvida, era visto como líder no movimento de modernização.

Mas ele não é um cozinheiro qualquer. Em 2005, quando fomos ao Madrid Fusión (Atala, Felipe e eu), me impressionou um dia de escapada de Felipe, para ir ao Museu do Prado. Como me impressiona hoje seu entusiasmo e dedicação à difusão de Inhotim (“você precisa ir lá! Eu vou junto, te levo!”). Coisas que mostram um cozinheiro raro, que vê a vida além da cozinha.




Felipe olha em volta e procura trazer ingredientes de fácil legibilidade à mesa, destacando, assim, a maestria do preparo que aprendeu a partir da cozinha de Atala.  De fato, muitos ingredientes dizem desse desejo de enraizamento no que é costumeiro, como o bacalhau com legumes (cujos destaques são as texturas, o ponto de cocção) , um purê de banana, a pupunha e, claro, a hoje indefectível barriga de porco, no caso acompanhada por gremolata e um purê de ora-pro-nobis. Sobremesas simples, como um crème brulée de doce de leite ou um pout pourri de doces artesanais mineiros, combinados com diferentes queijos regionais, sustentam em alto diapasão esse desejo alegórico de "brasilidade" ou  “mineiridade”.

No seu cardápio encontram-se, ainda, várias evocações, como o pastel de angu da tradição mineira, ou o dadinho de tapioca popularizado por Rodrigo Oliveira no Mocotó. Mesmo o pout pourri de doces artesanais surgiu para a gastronomia, em versão mais simples, no DOM.

Tudo isso faz muito sentido, pois a pegada inovadora não assusta os tradicionalistas e, sem fazer concessões a eles, planta no coração de uma das culinárias mais “sólidas” brasileiras o germe da transformação. Desse modo, Felipe consegue apresentar um cardápio reconhecível  e agradável, sem grandes estranhamentos e, por isso,  favorável à leitura do “bem feito”, da técnica do cozinheiro.

E é o sucesso dessa fórmula, partilhada com o sócio Frederico Trindade, que estimula Felipe a saltos mais altos. Está por inaugurar um “espaço gourmet”, chamado Alma, que combina um restaurante, uma escola culinária, um ponto de venda de pães artesanais e outro para café.

O Trindade e o Alma serão, seguramente, pilares da modernização culinária mineira. Para um paulista com trânsito pela culinária moderna, a impressão é que Belo Horizonte entrou definitivamente no roteiro gastronômico, expandindo essa esperança de que uma cozinha renovada tome, como uma onda, o Brasil todo.

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