06/01/2015

Aos vencedores, o Largo da Batata!

Movimento 1: destruição


Desde 2009 venho anunciando a morte do Mercado de Pinheiros. Mas, escuta, o futuro chegou ao Largo da Batata, em São Paulo. E não venha me dizer que não tinha sido anunciado por Veja.

“Espremido entre áreas nobres da cidade, como os Jardins e o Alto de Pinheiros, o Largo da Batata e seu entorno é uma excrescência urbana. Ali, as ruas estreitas são tomadas por ambulantes, lojinhas populares - de acessórios para pesca a artigos religiosos - e um passa-passa intenso de gente, carros e ônibus. A aglomeração começa por volta das 7 horas e só cessa depois das 19. ' Este sempre foi um ponto concorrido da cidade ', diz Aloizio Camppelo, camelô que atua na Rua Martim Carrasco há oito anos. ' Pago 100 reais por mês para a loja da frente guardar meu lugar aqui e cheguei a vender 300 reais em um dia. ' Mas esse cenário digno de capital indiana está prestes a seguir outro caminho (...). Com um custo de 100 milhões de reais, o projeto prevê a demolição de 180 imóveis, a construção de praças arborizadas, a abertura de novas ruas e a ampliação de calçadas. Além disso, os fios serão aterrados, assim como foi feito há dois anos na Rua Oscar Freire. ' Concluímos 70% do projeto, e as mudanças já atraem para ali empreendimentos comerciais de alto padrão ', afirma Edward Zeppo Boretto, diretor de obras da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb). ' Em pouco tempo, a paisagem deve mudar completamente, num processo semelhante ao da Vila Olímpia, onde favelas deram lugar a edifícios comerciais de alto padrão (...). Só quem não está feliz com as mudanças são os camelôs. ' Vendo dois terços a menos que antes das obras. Acho que não haverá lugar para mim quando tudo ficar pronto”.

A grana, que destrói coisas belas & feias

Esse negócio de urbanismo não é mole. Para alguns dói do cóccix até o pescoço. Mas os arquitetos gostam de frisar o lado “utópico” das cidades. Nada que resista, porém, à força da grana que destrói coisas belas e feias. Primeiro é deixar deteriorar, enfeiar; depois, quando não tem remédio, é “refuncionalizar”, “revitalizar” e tantos verbos eufêmicos. Como já não havia coisas belas, bota-abaixo. Essa é a especialidade dos incorporadores. Eles destroem, e dizem que passam a vida em construção.

O centro de Paris se estabilizou no século XIX. São Paulo não. São camadas sobre camadas de histórias diversas, contraditórias. Minhocões serpenteando entre prédios que, com um trato, dariam à cidade uma dignidade duradoura, uma beleza ombreando cidades européias. Mas há a autoridade política, o poder de imposição. E por fim, mas não menos importante, o glacê ideológico. Sobrenadando tudo isso, como rolha no oceano, o capital imobiliário.


Quis a ultra-modernidade que faça parte do glacê ideológico o marketing, a música, as artes plásticas, a gastronomia. Não o todo, mas parte de cada um. O glacê são os discursos correspondentes: o vidro fumê, as varandas gourmet, a casa de shows, o mercado “refuncionalizado”, as faixas para bicicleta - tudo isso enquanto o concreto escorre solto sobre o espaço desimpedido, abandonado pelos camelôs.  Quem lidera é o poder público: o metrô, o plano de reurbanização, as novas posturas municipais e, claro, os construtores que incorporam esse novo espírito, que mandam ver nos guindastes e esvurmam (que verbinho feio...!) a pobreza.

A “gourmetização” é um dos muitos discurso fantasiosos. Parece indicar a preferência por “bistrozinhos simpáticos”, orgânicos, mas isso já era. Agora é o fast food de nova roupagem; é o food truck que atropelou o carrinho singelo do vendedor de milho verde. Ou você acha sinceramente que o novo Largo da Batata seria uma espécie de Boulevard Saint-Germain?

Quando penso no Largo da Batata como um todo, como “operação urbana”, é impossível que não me assombre o velho Machado de Assis (Quincas Borba): “Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. [...] Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.  No caso, o Largo da Batata!

Se você me chamar de cínico, vou chama-lo de omisso. O atropelo do simpático vendedor de milho verde não se deu na rua, mas na Camara Municipal, onde votou o seu representante. Você assinou o abaixo-assinado “contra a verticalização da Vila Madalena”; num egoismo sem tamanho, errou no perímetro. Agora, Inês é morta. E ligue seu iPod para cobrir o som das britadeiras.






1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

Vou divulgar este seu texto. Vem num momento em que o glamour atinge com a dureza das baionetas a gastronomia do Mercado de Pinheiros, com projetos pra lá de bonitinhos, com cara de coisa nova... Na verdade até é novo mesmo, só que olha para um público também, deixando órfãos os antigos usuários, que não devem se identificar com o que por lá está para acontecer

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