18/01/2015

Post-jabá


Às vezes - quase sempre - me vejo a imaginar coisas inúteis. Como a cena de um casal de velhos ingleses, saltados de um quadro de Botero, postados diante da televisão, a assistirem um infindável documentário da BBC sobre cultivo de pepinos. Não trocam palavras, como não trocam de canal. Ao lado, sobre uma mesinha, duas taças de gin tônica preparado com Hendrick´s. O gin os une há pelo menos trinta anos e, imediatamente, ao programa de Tv. A água tônica, rememoração inconsciente do colonialismo triunfante dos tempos da rainha Vitória. Na verdade, é o pepino que une o casal, o gin e a história ao documentário, naquela vida solitária.

Sentem nostalgia tremenda frente àquela horta de pepinos que invade a casa noite alta. Suspiros. Como quando se enamoraram e, de pub em pub, foram escolhendo suas preferências alcoólicas e estacionaram no Hendrick´s, no auge da paixão. Nunca mais abandonaram aquele drink e, hoje, a cada gole, uma lembrança com furor. O amor, ou evapora na paixão ou se conserva no álcool. Mas a escolha da sua modalidade é que dá qualidade aos suspiros. Identificar o zimbro, o cominho, a casca de limão, laranja ou grape fruit; o pepino ou a pétala de rosas, é como explorar o corpo; rememorado-o fresco sob o amargo do quinino e da história.

O gin é uma metáfora e, ao mesmo tempo, uma metonímia, esconderijo das emoções inteiras ou em frangalhos. Se não fosse o gin, o alcoolismo seria uma doença. E o Hendrick´s está para os gins como Chanel nº 5 para os perfumes. Viciam na apoteose.

Está muito distante da brutalidade insípida da vodka, que esfrega nossa cara no chão da pós-modernidade. Nem tem aquele amargor agradável do negroni, que, dia a dia, gole a gole, pontua as pequenas vitórias que nos levam, inexoravelmente, em direção à grande, inapelável derrota.

Para os adeptos das bebidas de ocasião, talvez haja aquelas mais adequadas. Como um bom rum envelhecido com um charuto Cohiba. Ou um conhaque quando se mordisca chocolate, após uma refeição memorável. Mas o gin, só o gin, irmana almas. Não é possível rememorar um gin tônica, exceto por ter sido partilhado com alguém especial na ordem das coisas. “Tomávamos gin”, sempre ficará impresso na lembrança, desdobrando uma cadeia de recordações amarfanhadas nas dobras da alma.

Aqueles que inventaram o Hendrick´s talvez não soubessem, mas criaram uma ponte entre nós e a natureza, entre o corpo e a alma, inventaram a comunhão entre o desejo e o pecado, aboliram a culpa da existência à Botero; tornaram possível aquela vida besta diante da Tv.

1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

Quanta emoção, nossa!

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