11/02/2015

O samba japonês à mesa

Entre 2.500 e 3.000 anos antes do presente a cultura japonesa começava a existir. A cultura brasileira, há 515 anos. Ambos os povos, claro, tinham raízes mais antigas, em formações culturais que não sobreviveram. E quando vemos o encontro das águas à mesa - da cultura japonesa e da cultura brasileira - como ocorre atualmente no Jiquitaia, temos que reconhecer uma espécie de hierarquia. 

Tudo bem que os homens adotam e desenvolvem diversas culturas, equivalentes como adaptação ao mundo material, sempre provendo os meios de vida, mas, afinal, qual o valor da duração, do desenvolvimento civilizatório de longo prazo? Alguma coisa deve contar.
 

Todas as ideias de fusion, de “mestiçagem” ficam sem propósito, pois a técnica japonesa e a construção do prato como um todo parecem reduzir a brasilidade a mera fornecedora de matérias-primas. Assim é desde as “entradas”, com o peixe escabeche com açaí e farinha; a pimenta shishito grelhada, com mandioca; o frango no tucupi; o tempurá de cambuquira e dashi de beterraba; o chawanmushi de milho verde.
 

Marcelo Bastos e Uilian Goya fizeram bela figura juntos, mas a brasilidade típica do Jiquitaia silenciou na maior parte do concerto sinfônico, como se fosse um oboé em permanente suspensão, emitindo pequenas notas aqui e ali.
 

O peixe escabeche com açaí e farinha Uarini bem poderia ter sido concebido em Tomé-Açú, no Pará, por japoneses saudosos da sua comida original; o tempurá de cambuquira com sobá - o melhor prato da noite na minha opinião - poderia ter sido bolado em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul; o chawanmushi de milho verde, por um cozinheiro mais “ousado” da Liberdade, em São Paulo.
 

 Lévi-Strauss dizia (em "Raça e História") que o ocidente tinha a característica quase única de assimilar tudo o que lhe interessava da cultura dos povos submetidos pelo colonialismo. Fico em dúvida se a assimilação foi mesmo uma característica basicamente ocidental...

E ai fico a pensar como foi, ao longo da história, essa coisa de encontro de culturas, trocas, dominâncias incompletas, etc. O "Samba Japonês" de Jorge Mautner. Mas como nós não temos caráter (ou caracteres), segundo Mário de Andrade, podemos assumir que também somos japoneses. E, aí, fica tudo certo, mesmo para os nacionalistas ferrenhos.

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