07/05/2015

O tradicionalismo culinário nos levará adiante?

Fiz uma provocação banal no Facebook sobre a estabilidade inconsciente de certas associações culinárias (bolo de fubá com erva-doce; doce de abóbora com coco; pudim de leite com baunilha; arroz doce com cravo; canela em pó com qualquer-coisa) perguntando sobre a inovação, e fiquei espantando como os comentários foram quase unânimes em defesa da “tradição”.  Tipo: não mexam no meu doce de abóbora COM coco; no bolo de fubá COM erva doce... A velha opinião formada sobre tudo.
Mas ontem fui assistir à aula magna do Andoni Aduriz, na Anhembi-Morumbi, e me impressionou o contrário: como ele dá de barato que o negócio é a inovação. Todo seu intelecto está voltado para provar que inovar é a alma da gastronomia. Partindo de teorias sobre inovação, passando por princípios de auto-ajuda e demonstrando como, no Mugaritz, se inventaram vários pratos, Andoni mostrou-se o show man da gastronomia moderna. Não tem aquela verve do Adrià, mas uma lógica impecável e uma atitude entre o informal e o jocoso que ganha a plateia já nos primeiros minutos.

E é interessante como os espanhóis gostam de projetar para o mundo seu compromisso com a modernidade “humanizada”, respeitadora dos princípios de sustentabilidade, etc etc. O evento tinha o patrocínio da Camara de Comércio Brasil-Espanha. Agora, se pensássemos um evento com sentido inverso: o Brasil se “mostrando” para o exterior, o que seria?

Certamente o elogio do pão-de-queijo, do bolo de fubá, do brigadeiro e outras banalidades que, ingenuamente, achamos que “representam” a nossa “alma”. Enfim, queremos ser vistos como tradicionalistas, conservadores dos “valores” da brasilidade. A inovação parece violentar isso aos olhos de muitos cozinheiros brasileiros.

Essa atitude brasileira seria o mesmo que dizer: “bem, se vocês nos querem, aceite como somos!”. É um espírito impositivo, sem dúvida. A diferença é que Andoni está a nos dizer: pegue a sua tradição, qualquer que seja, se debruce sobre ela e invente coisas novas. Sua ênfase está no processo de produção, não nos produtos históricos. É a mesma coisa do que dizer: vamos reinventar a história, porque a pior coisa é ver o mundo mudando e lamentarmos que essa mudança vá nos atingir, queiramos ou não.

O conformismo intelectual consiste em dizer: estamos diante do eterno embate entre os tradicionais e os modernos. Será? Me parece que estamos, sim, dizendo que tudo o que tínhamos que dar ao mundo já demos. Uma espécie de preguiça nos destitui da inteligência para continuar a tecer a história num mundo em transformação.

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