15/04/2016

Um restaurante com nome do cangaceiro que roubava dos ricos para dar aos pobres


A casa não tem bicicletário, nem corrimão na escada, mas já mostra mesas habitadas por hipsters. Quer dizer: tem boa chance de pegar, apesar da ausência de outras coisas que atraem essa gente além da comida. Pessoalmente, não gostei dos copos de alumínio, mas há os americanos de vidro também. Então, tudo bem.

Os preços são bons. Você come um guisado de carne com dois acompanhamentos à escolha (arroz de leite com queijo coalho, cuscuz nordestino, farofa, feijão de corda, arroz branco) por R$18. E se coloca tudo no prato de alumínio, que não é tão grande, fica com cara de rango de pedreiro. E qualquer pedreiro bateria fácil um prato desses - se não fosse por outra razão, pela saudade. De sobremesa você ainda pode comer, no exagero, uma boa cajuada industrial com queijo coalho, com aquele excesso de açúcar que, dizem os que nada sabem, o brasileiro adora. Mas é bom também como excesso. Satisfeito, você gastou R$ 30. 

Jesuíno Brilhante (Rua Arruda Alvim, 180) é um restaurante bem bolado, sem frescuras, onde ninguém fica recitando ao seu ouvido histórias decorativas para os pratos. É de comida antes de tudo forte, que não reflete a neurastenia dos mestiços do litoral como diria Euclides da Cunha. Forte quer dizer com muita presença à mesa, mas muito delicada - como é a comida do sertão e pouca gente sabe, mas quem sabe mais é Ana Rita Suassuna (pode tirar o livro dela da estante que esse negócio ainda vira moda...).


À frente da casa, um jornalista que "virou suco" (não sem antes conhecer profissionalmente a cena gastronômica paulistana) e sua família. Ninguém fez Anhembi Morumbi nem Senac. Sabem cozinhar porque sabem, como a quase totalidade dos brasileiros sem boca torta. Uma culinária que vem de dentro, não digo da alma, mas de dentro de um saber comum, corrente, que liga a todos que olham o Brasil não como um defeito da criação mas como um lugar bom de estar quando nos sentamos à mesa. 

A família veio do Rio Grande do Norte, daquela confluência com o sertão paraibano. Ali nasceu Jesuíno Brilhante, o herói da nossa gente antes do nascimento de Macunaíma. Brilhante era um cangaceiro do bem. Roubava aos ricos para dar aos pobres, pois que à época da grande seca de 1877 a 1879 aquele povo precisava de um Robin Hood.  

Se você for uma pessoa sensível - dessas que não se deixam impressionar por churrascarias - perceberá que é no limite da necessidade que se pode arrancar dos ingredientes o que eles tem de mais escondido, o que pode ser bom. O que é bom é bom. E no Jesuíno se come bem, até pelo ar de pensão que a casa guarda é possível relaxar para melhor apreciar o que vai à boca. 

No fundo, uma casa como São Paulo anda necessitando há muito: pós-gastronômica, sem firulas, só comida que satisfaz a preços que não embutem garçons ineficientes, talheres Fracalanza, copos Riedel e outras ostentações. Um ovo de Colombo que estava ai para qualquer um colocar de pé, e o jornalista Rodrigo Levino (ex-Folha, o jornal-que-desmilingue) soube fazê-lo. E na hora de passar o café, você descobre que é da Raposeiras. O cara não é nada bobo. E é uma prova viva de que o ensino de gastronomia em São Paulo (aquelas faculdades…) não faz falta alguma quando se têm o Brasil na alma e uma boa dose de ousadia. Longa vida, é o que deseja e-BocaLivre.





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