24/04/2016

O triste papel da Embrapa na defesa de interesses obscuros



É muito bom quando uma instituição de pesquisa vem a público ajudar o senso comum a entender problemas complexos. É o que se esperaria da Embrapa - uma empresa pública, paga com o seu, o meu, o nosso dinheiro. No entanto, numa matéria da BBC Brasil, não é o que se vê. A BBC Brasil diz que procurou os “maiores especialistas do país em nutrição e também em criação de peixes em cativeiro” para se contrapor a diversos textos em redes sociais que “denunciam” os males do salmão criado em cativeiro. “Mitos” X “verdades”, diz a BBC… Ao que parece, uma coisa positiva fica evidente: os blogs independentes começam a incomodar. E outra negativa: foi a Embrapa que se ofereceu para cumprir o papel que a BBC necessitava em defesa de interesses duvidosos.


O propósito de reabilitar o salmão diante das críticas é explícito, mas é preciso reconhecer que os blogs - como este e-BocaLivre não inventam nada nessa mataria: simplesmente reproduzem pesquisas cuja credibilidade a Embrapa/BBC não tem coragem de contestar, preferindo desmoralizar os divulgadores.
A cultura do salmão, em primeiro lugar, desequilibra o ambiente. Como aponta um estudo português num site de divulgação científica: “É um contrassenso que se promova a criação de peixes alimentados com uma dieta carnívora, numa época em que todas as reservas de peixe estão em colapso. Para cada quilo de salmão produzido nas explorações de aquicultura intensiva são necessários três quilos de outros peixes, peixes esses que são pescados nos oceanos. Mas o efeito nocivo da aquicultura do salmão vai muito para além [...] o piolho de peixe que se escapa das quintas de salmão dizima os juvenis dos salmões selvagens, ou seja, a criação do salmão tem um impacto brutalmente negativo na sobrevivência do salmão na natureza [...].avaliada num estudo recente, em áreas onde há salmões de aviário a taxa de sobrevivência do salmão selvagem cai por mais de 50%. Reduzir os impactos da aquicultura de salmão no salmão selvagem devia ter uma prioridade elevada.”
Um estudo sério, por exemplo, é  “Global Assessment of Organic Contaminants in Farmed Salmon”   que seria muito bom vermos contestado ponto a ponto, indicando-se como os problemas apontados já em 2004 foram superados pela indústria. Segundo esse estudo, havia um bom conhecimento sobre os danos dessa cultura para o meio ambiente, mas poucos eram os estudos sobre a saúde humana. A Embrapa também não se dedicou a isso.

Por isso, o estudo conclui: “os efeitos sobre a saúde humana por exposição aos PCBs, toxaphene e dieldrin presentes no tecido do salmão estão em função da sua toxidade contaminante, concentração na carne do peixe e taxas de consumo. Nós usamos o padre da U.S. Enviromental Protection Agency para avaliar os riscos de consumo de salmão de granja e salmão selvagem… este estudo sugere que o consumo de salmão de granja pode resultar em exposição a várias  e persistentes contaminações biocumulativas com potencial de elevar os riscos de saúde. Assim, o cálculo do risco/benefício é complicado, e o consumo de salmões atlânticos de granja pode implicar em riscos superior aos efeitos benéficos no consumo do peixe”.
Mas a BBC preferiu procurar depoimentos de técnicos da Embrapa nos quatro cantos do Brasil que apontassem no sentido que desejavam.  A idéia-norte do artigo da BBC é que os salmões expressam o que comem:  "As rações utilizadas na salmonicultura são muito boas, excelentes mesmo", diz Cyrino, que também é professor da USP. "Assim não fosse, as operações seriam economicamente inviáveis; os animais simplesmente morreriam (a má alimentação causa um colapso do sistema imunológico do animal)”. E, na mesma linha, diz o  Supervisor da área de Pesca e Aquicultura da Embrapa em Palmas (TO). Giovanni Vitti Moro,"a farinha utilizada como ração para peixes carnívoros é obtida a partir de resíduos do processamento de peixes ou de peixes inteiros capturados para este fim", explica Vitti Moro.
Trata-se de uma mentira. Já denunciei aqui, com base em depoimento de um grande fabricante de farinha de pena de galinha e outros descartes (segundo a revista Dinheiro Rural), que a salmonicultura chilena é um grande cliente desse produto. Do mesmo modo, astaxantina e cantaxantina - outras coisas consumidas pelo salmão - são as substâncias que conferem cor a ele na natureza, mas no cativeiro são substâncias sintéticas derivadas do petróleo.
Também é notório que os peixes recebem altas doses de antibióticos, fungicidas e vermicidas para evitar doenças e garantir o rendimento da produção. E os técnicos da Embrapa, a serviço dos interesses da BBC Brasil, deveriam saber que os chilenos têm dificuldade para cumprir a regulamentação de uso desses produtos nos EUA, na medida em que, no combate à bactéria rickettsia, carregada pelos piolhos do mar, que causam lesões passíveis de infecção, precisam usar o benzoato de emamectina, além de antibióticos para controlar as infecções resultantes. Autoridades do FDA dizem que a emamectina só pode ser usada em poucos casos nos Estados Unidos, e é um dos três químicos proibidos, destacados nos seus documentos de inspeção da salmonicultura chilena.
Daqui há alguns anos só teremos fazendas de salmão transgênico, desenvolvido nos Estados Unidos pela empresa de biotecnologia Aqua Bounty Technologies. Essa nova raça artificial pode atingir o tamanho de mercado na metade do tempo que leva um salmão selvagem para crescer (de 22 a 30 meses). Claro que, se por acaso um desses “espécimes” escapar para o ambiente natural, a tragédia genética e o impacto ambiental serão inevitáveis.



Resta saber por que a instituição de pesquisa presta-se ao triste papel de Pinocchio num assunto de interesse público? Afastando da hipótese da má fé - lobistas de aluguel - sobra a da ingenuidade. Diz um dos embrapistas entrevistados: "A geração de empregos diretos e indiretos pela aquicultura é um benefício socioeconômico palpável". Só não explica por que devemos nos esforçar por gerar empregos no Chile à custa de riscos para a saúde dos brasileiros...

Bonificação para o leitor...



7 comentários:

http://genpeace.blogspot.com disse...

Carlos Alberto, boa noite
Gostaria de fazer alguns comentários sobre seu texto, que podem trazer uma discussão criativa sobre o tema controverso da piscicultura.
Parte I
Primeiramente, qualquer peixe carnívoro em cativeiro vai ter exigências parecidas com o do salmão (em termos nutricionais). Assim, as críticas gerais que se aplicam ao salmão se aplicam também ao brasileiríssimo tucunaré e a muitos outros peixes que já estão nos refrigeradores dos supermercados e mercadinhos. Se não quisermos pagar o ônus de criar peixe carnívoro, devemos banir todos eles. O foco sobre o salmão está errado.
Acontece que há um mercado enorme para peixes de sabor marcante, como o tucunaré e o salmão. E é por isso que tem gente que cria (ou pesca, ou importa). São os consumidores carnívoros que sustentam este mercado. São consumidores parecidos com os que comem carne bovina e você sabe muito bem que o impacto da pecuária bovina (e caprina, etc..) é muito grande. Se formos pelo caminho de criticar apenas um, estamos sendo preconceituosos.
Como existe mercado, existe quem produza. A questão com o salmão (e com o tucunaré não é muito diferente) é: qual o sistema de produção que impacta menos e é economicamente viável? Não adianta aqui a gente dizer: nenhum – vamos abolir! porque isso não vai acontecer. Então vamos fazer as considerações para o salmão.
a) Comprar do Chile – beleza, zero impacto ambiental no Brasil, mas fuga de divisas.
b) Produzir aqui como se faz no Chile (tanques rede na sua maioria) – impossível: o Brasil nem tem águas frias em estuários para este tipo de cultivo
c) Produzir em tanques em terra – viável em lugares onde jpa se cria trutas (São Paulo, montanhas)
Não há outras opções.
Se criarmos um dia salmão no Brasil, será lá nos altos de São Paulo. A água é limpa e fria, vem das montanhas. Se tiver pesticidas e outros tóxicos, será em quantidades muito pequenas e os riscos, consequentemente, pequenos. Também não virão piolhos de salmão do Atlântico nem rickettsias. Se os salmões escaparem, morrem todos ao chegar na baixada, porque a água tem que estar a menos de 16oC. Não há salmões silvestres no Brasil, nem peixes aparentados, de forma que eventuais pragas específicas do salmão provavelmente não afetarão nossa ictiofauna.
Precisaremos de uma ração rica em proteínas, mas quem acha que ela é feita de peixe do mar (como o português afirmou) está enganado: é a proteína de soja que reina sozinha aí, é muito mais barata que a do peixe e igualmente nutriente. Sempre se adiciona algum peixe para dar sabor, pode ter certeza que será a tilápia (o peixe inteiro que a EMBRAPA menciona), resíduos de processamento de peixe (idem) ou talvez rejeitos de peixes provenientes da pesca essencialmente destrutiva que fazemos no nosso país... O que os salmões comem no Chile não será provavelmente igual ao que comerão aqui, por causa da diferença da forma do cultivo e da temperatura, além da variedade específica de salmão. Há o problema eterno dos rejeitos e isso tem que ser equacionado com estações de tratamento de efluentes, sem o que será um desastre. Isso já está equacionado, mas sem cobrança e fiscalização será um deus-nos-acuda.
Como em toda criação confinada, haverá problemas com doenças e pragas (diferentes dos EUA) e serão empregados químicos para isso. Se não se usar um controle químico quando a doença ou praga surgirem, morre tudo. Não tem opção para isso a não ser não criar. O MAPA fiscaliza aplicação e resíduos, como na criação de qualquer outro animal de produção, seja confinado ou solto. É provável que se adicione algo à razão para deixar a carne mais colorida, mas não tem problema algum a origem dos produtos ser do petróleo ou seja lá de que fonte for: estes produtos são quimicamente definidos.

http://genpeace.blogspot.com disse...

Parte II
Estas considerações são iguais para salmões convencionais e GM. E o que faz do salmão GM uma poção atraente para o criador? Você já disse: ele cresce muito mais rápido. O salmão GM expressa o hormônio de crescimento o tempo todo, e não só numa parte do ano, e por isso cresce rápido. De resto, é idêntico ao outro. Se o salmão GM for da AquaBounty (outros podem surgir em breve, com o surgimento do sistema CRISPR/CAS9 de edição de genomas), os produtores só receberão ovos de fêmeas triploides. Bicho triploide cruza com diploide, mas não gera filhotes. Se escaparem no Atlântico Sul, não encontram parceiros, porque o salmão é um peixe do Atlântico Norte. Mas muito antes de encontrar parceiros, as fêmeas (salmoas) morrem de calor. Não tem desastre ambiental algum no Brasil, a avaliação de risco para Canadá e EUA não se aplica aqui.
Por fim, a EMBRAPA se posicionou sobre o cultivo no Brasil, não no Chile. Não sei se quem opinou conhece os detalhes da biologia do salmão GM (estão todos na avaliação de risco do FDA – que eu sugiro como leitura obrigatória de quem quer opinar nesta área) e em muitos artigos científicos espalhados por aí ao longo de 20 anos), mas a geração de empregos será no Brasil. E os lucros (em parte) nossos também. Não tem Pinóquio nenhum neste caso.
Cordiais saudações
Paulo Andrade
Departamento de Genética/UFPE

e-BocaLivre disse...

Caro Paulo, seus esclarecimentos são realmente MUITO melhores do que toda a matéria da BBC/Embrapa. Muito obrigado. A minha campanha é contra o "salmão silencioso", isto é, a falta de esclarecimento público sobre riscos e coisas como você agrega aqui. Sempre que se conhece o risco, não vejo problema - seja no salmão, seja no cigarro.
Quanto ao Pinocchio, refere-se ao fato de a matéria esconder que os salmões são também alimentados com farinha de pena de galinha.
Saudações e, mais uma vez, obrigado pelo que agregou de informações. Isso é muito melhor do que dizer que blogs jogam na desinformação.

http://genpeace.blogspot.com disse...

Carlos Alberto, fico feliz em ver que meus comentários contribuíram para o esclarecimento dos leitores. Os blogs podem ser muito informativos, tudo depende de nós, blogueiros. Se escrevemos sem conhecimento do assunto, apenas refletindo a posição dos que estão alinhados ideologicamente conosco, fatalmente cometeremos erros graves e traremos desinformação ao leitor. Se procurarmos com afinco entender o assunto sobre o qual estamos escrevendo, vamos errar menos. Mas conhecimento tem custo em tempo (e dinheiro, consequentemente) e poucos dedicam tempo suficiente antes de apertar no botão "publicar". Como não há cobrança de ninguém nem auditoria a qualidade cai. Tem também os blogueiros que amam uma teoria conspiratória e um terrorismo tipo "armaggedom", e estes contribuem para a má impressão geral que o público tem de nós.
Abraços
Paulo Andrade/ Depto. Genética/ UFPE

e-BocaLivre disse...

Totalmente de acordo. Abraços

Anônimo disse...

Não acompanhei todas as publicações sobre o salmão de aquicultura, mas vale à pena ver este documentário sobre os da Noruega, muito preocupante que seja:
https://www.youtube.com/watch?v=MgrFXN4d1Jc

Apmark disse...

Toda essa (inútil) polêmica pode ser evitada se o combatente da ecologia de visão apocalíptica, que quiser comer salmão, pegar uma vara (de bambu, é claro!, com linha de algodão e anzol de latão - levar minhocas nativas daquí.) for a um fiorde canadense, norueguês ou chileno para pescá-lo pessoalmente. As únicas outras (apocalípticas) alternativas para saborear a iguaria são:
a) Esperar que a fantástica tecnologia Crispr/cas9 crie um salmão genuíno mas inteiramente tropical e não carnívoro.
b) Esperar que a tecnologia da cultura in vitro, mais a mesma técnica crispr/cas9 evoluam para produzir grandes volumes de células de filé de salmão (o salmão doador continua vivo!) que serão processadas estruturadamente em magníficas postas com uma avançada impressora 3D.
c) Por enquanto, deixar tudo como está.
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