09/06/2009

A cozinha brasileira – o retorno

No debate na Livraria Cultura, acredito que ficou claro que o novo interesse pela cozinha brasileira é bastante seletivo.
Depois da fase “étnica”, isto é, quando o interesse estava dirigido para as ementas portuguesa, indígena e negra, como consagrado no mito modernista, o revival enfoca territórios, ingredientes e produtos.
É um revival no qual a classe média urbana, freqüentadora de restaurantes, está disposta a colocar a cozinha brasileira em “pé de igualdade” com outras cozinhas. Afinal, por que seríamos “piores” do que a cozinha tailandesa, por exemplo? Mas também há o inexplicado: por que os peruanos se desenvolvem na cena mundial, onde nós engatinhamos?
Deixando de lado o protagonismo dos chefs peruanos, ou o imaginário orientalista que nos leva à Tailândia, há coisas a pensar. Nós ainda temos dificuldade em pensar o Brasil, culinariamente falando, sem a opressão do peso da tradição. No caso, o peso ideológico do mito miscigenista do modernismo que acaba por dirigir o esforço de muita gente para a pesquisa da tradição. Como fazem, ou faziam tal ou qual coisa? Como “preservar” a cultura negra? Nesse enfoque, a culinária passa de fim a meio.
Sou dos que defendem que a prática culinária do dia-a-dia “preserva” ou “descarta” o repertório do passado, e o fundamental é compreender como esse processo se dá. Mas este é assunto para antropólogos, não necessariamente para culinaristas.
Estes últimos deveriam partir do que efetivamente se come hoje nos quatro cantos do país. E é preciso reconhecer que conhecem pouco sobre isso. Todos conhecemos pouco. Até o IBGE. E por isso mesmo é difícil construir um mapa “de comer” do Brasil e nos atolamos naquele formalismo estéril da divisão sóciopolítica do país.
Voltando à seletividade. Como o enfoque étnico vai se diluindo, o novo enfoque parece privilegiar os ingredientes de certos espaços ou regiões. É o caso da Amazônia. Alex Atala apontou o papel primordial de Paulo Martins na divulgação dos produtos da região, notadamente a inclusão do tucupi na agenda dos cozinheiros do Brasil todo. É absolutamente correto, mas como a “Amazônia” chegou a povoar o desejo dos brasileiros, a ponto de prestarem atenção no trabalho de Paulo Martins e outros que o seguiram nesse pioneirismo?
É bem provável que isso tenha se dado da forma tradicional: valorizada “lá fora”, passamos a demandar “Amazônia” aqui dentro. E daí vem aquela arenga toda, sobre as dificuldades de logística, etc...
E há também o peso negativo da seletividade construída em interação com o “gosto do mundo”. O cerrado, riquíssimo em ingredientes e produtos; o sertão, tão diverso em sua extensão enquanto espaço pecuário, que tem grande continuidade histórica a ligar dos Pampas às franjas da Amazônia – ambos continuam desconhecidos e desinteressantes para esta mesma classe média comedora.
Quanto mais se orientem apenas pela bússola do consumo de classe média, menos os profissionais da gastronomia se aproximarão do potencial que o Brasil, em sua enormidade e diversidade, encerra.
Além do inventário, porém, é preciso se debruçar sobre ingredientes e produtos e se perguntar: como fazês-lo dialogar com o presente? O que de bom nisso pode ser re-apresentado ao público?
Outro dia tomei num restaurante uns sucos de frutas feitos à maneira da cajuína. Não era uma maravilha, mas era bom. E o melhor de tudo era a curiosidade, persistência e vontade de experimentar dos chefes que os produziram. Não creio que haja outro caminho senão a tentativa e erro, a reflexão sistemática, o teste do paladar do público. Assim, um dia, seremos um grande Peru...

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