O novo estranho caminho de Santiago - V (final)

A jovem executiva da Vinã Tondonia cultiva suas aranhas nas caves ao mesmo tempo em que se prepara para abrir um moderno show-room, concebido por uma arquiteta agora bastante premiada na Alemanha. “Eu sempre digo a ela que fui pioneira em apostar no seu talento”, brinca sob o triunfo da própria intuição. Talvez não tivesse dinheiro como as Bodegas Riscal para apostar em Frank Gehry, em Michel Roland e em Francis Paniego. Então, trata-se de explorar da melhor maneira possível a própria tradição e o noviciado da arquiteta amiga.

Seus vinhos envelhecidos chegam ao mercado com um grande diferencial de guarda. “São disputados cada vez mais por colecionadores, especialmente no mercado americano”, esclarece. São vinhos dos anos 1980 e 1990 os que agora chegam ao mercado. Os brancos, envelhecidos em carvalho, apresentam uma singularidade que pouca gente está preparada para apreciar. Não são vinhos fáceis como a modernidade parece exigir. “Nossa maior estratégia de marketing é torná-los conhecidos dos degustadores, incluí-los em sessões de “cata”, apresentar a someliers”. Para valorizar seus produtos, embebendo-os em história e tradição, Viña Tondonia contratou um antropólogo!

Luis de Candamo, que passou vários anos entre indígenas do México, mostra a bodega, as barricas velhas e as aranhas com o entusiasmo de quem mostra uma tumba recém descoberta. Conta seus planos para organizar o museu da bodega, publicar livros, catalogar os documentos. Perguntado sobre a tendência regional de abraçar a modernidade, diz taxativo: “Aqui, nunca!”. No entusiasmo, na veemência, nem se dá conta que estamos sob o teto do novo show-room da arquiteta-revelação, descoberta pela jovem proprietária do negócio.


Mas não são só os “tradicionalistas” que apostam na história. Magu Muga, um dos dirigentes da moderna vinícola Muga, se orgulha dos vinhos feitos sem controle de temperatura, clarificados ainda com claras de ovos, envelhecidos em tonéis de carvalho. Seu irmão, o enólogo da família, demora-se por mais de uma hora na tanoaria que possui dentro da bodega, explicando em detalhes as diferenças das madeiras pela proveniência de mais de 15 bosques selecionados no mundo todo, além dos diferentes pontos de “tostado” a que submetem as madeiras antes de pô-las a “criar” vinhos. A combinação de tudo isso gera efetivamente vinhos encantadores. Mas o momento alto da peregrinação pelos domínios da Muga está no almoço, quando é apresentado o vinho Aro – um vinho moderno, ao gosto americano, que é levado ao mercado a 100 euros a garrafa. É o atual “must” da bodega, destinado a ofuscar os “reserva” e “gran reserva” da casa. Mas há gosto para tudo. E vinhos para todos os gostos.


Ninguém é de ferro. Se você se dispôs a essa infindável peregrinação pelas entranhas das bodegas de La Rioja, talvez esteja precisando de uma âncora menos espetaculosa e mais segura. É quando deve visitar o mercado à luz do dia; e, de noite, ir à Calle Laurel e à Calle Travesa Laurel para “tapear”. Para você, que é estrangeiro, não basta ir a comer uns “pinchos” com os amigos; “tapear” tem o sentido de uma verdadeira caçada, pois tamanha é a variedade de coisas desconhecidas que provavelmente experimentará - muito mais do que aquilo que efetivamente terminará gostando. É a dura vida do turista-aprendiz.

Quiçá comer uns cogumelos na chapa, como o” Soriano” faz há 38 anos. Aliás, ele não oferece nada mais do que cogumelos e taças de vinho branco que você deverá fazer fila e esperar pacientemente se quiser entrar na estreita garagem onde trabalha. Mas dá gosto vê-lo chapear os cogumelos num cantinho, ao fundo da garagem e, depois, empilhá-los em tamanhos compatíveis, prendendo-os com um palito chanfrado, de aperitivo, que traz a marca indelével do trabalho manual e que outrora, no Brasil, chamava “matosinho”.


Será preciso continuar a peregrinação, parando em outro local apinhado de riojanos sadiamente indiferentes à sua condição de turista, disputando as tapas que consistem em pequenos sanduíches com fatias finas de bacalhau cru, um filé de anchova e uma tira de pimentão. Ou ainda uns pinchos de sépia; uma morcilla de Burdeos; uns enroladinhos de tripa na grelha; umas orillas a la plancha, e até onde mais a gula, a vista e a hora alcancem.

E eis que chega o dia e a hora de tomar o trem, de volta a Madri.


No fim de tudo você, que veio de longe para se esclarecer, terá sua alma dividida, exausta, surrada, e já não saberá dizer qual o melhor vinho da Rioja - coisa sobre a qual tinha uma idéia sólida ao sair de casa. Vacilará entre os modernos vinhos jovens, o “crianza”, os “reserva” e os “gran reserva”.

Talvez, então, por felicidade, se lembre daquela passagem de Don Quixote, quando os cavaleiros de Granada saíram em disparada: “Para que? Para nada!”, ironizava o velho Cervantes. A literatura tem dessas coisas: alivia a alma de dúvidas cruéis. Bom estar com as leituras em dia antes de se aventurar.


SERVIÇO

Madri
El Corte Inglés – Castellana, metro Nuevos Ministerios
El Espejo - Recoletos, 31
El Sobrino del Botin - Calle de Cuchilleros, 17, www.botin.es

Logroño (La Rioja)
Hospedagem:
AC Hotel: http://reservations.ihotelier.com
Tapas:
Calle Laurel e Calle Travesa Laurel
Bodegas selecionadas:
Marques de Riscal: www.marquesderiscal.com
Muga: www.bodegasmuga.com
Tondonia: www.tondonia.com
Roda: www.elalmanaque.com/turismo/bodegas/roda
Marques de Caceres: www.marquesdecaceres.com
Señorio de San Vicente: www.sanvicente.com.
Restaurante Echaurren (el Portal): www.echaurren.com.
Agencia local de turismo:
mundotres.lop@fer.es

(Amanhã, make off da viagem)