Pesquisadores brasileiros passaram a estudar o grau de adulteração de bebidas alcoolicas,(produtos nacionais e estrangeiros) a partir da análise da quantidade existente, em seu conteúdo, da forma estável mais pesada do átomo de carbono, o isótopo denominado carbono 13 (13C), muito mais raro do que o leve carbono 12 (12C). A relação entre o número de átomos desses dois tipos de carbono pode denunciar a adoção de alguns procedimentos ilegais, ou no mínimo não muito divulgados, durante a fabricação de bebidas.
Eis alguns exemplos das artimanhas documentadas pelas análises com os isótopos estáveis de carbono em vinhos brasileiros e bebidas derivadas de uva:
1. Cerca de três quartos do gás carbônico ou dióxido de carbono (C02) presente em três espumantes brasileiros, do tipo meio doce, cujas borbulhas deveriam ser fruto da fermentação natural de seus açúcares, foram provavelmente injetados de forma industrial nas garrafas. Um procedimento perfeitamente legal - desde que o fabricante rebaixe o produto à categoria inferior de bebida gaseificada em vez de espumante. Um produtor português foi ainda mais longe. As bolinhas de seu espumante, do tipo brut (não doce), continham, em parte, gás carbônico proveniente do ar, uma evidência de falhas em seu processo de elaboração. O estudo analisou 75 espumantes de dez países, dos quais 33 foram elaborados no Brasil.
2. Pelo menos um quarto de 228 garrafas analisadas de marcas comerciais de vinho nacional exibia quantidade acima da permitida pela legislação de álcool não derivado da fermentação do açúcar naturalmente presente no mosto (suco) de uva. Nesses casos, constatou-se que mais de 3 graus Gay-Lussac (G. L.) - medida do teor alcoólico - de todo o etanol presente nessas bebidas derivavam de uma quantidade generosa demais - e, por isso, ilegal - de açúcar de cana adicionada ao mosto de uva durante a fermentação. Chama a atenção o fato de que apenas pouco mais de um quarto das bebidas que estavam fora das especificações - 17 de 64 - pertencia à categoria mais popular dos chamados vinhos de mesa. A maioria das amostras com excesso de álcool de cana-de-açúcar veio de alguns renomados produtores de vinhos finos do Rio Grande do Sul.
3. Entre as amostras de cinco marcas brasileiras de brandy ou conhaque fino analisadas, nenhuma delas era um produto feito exclusivamente a partir da destilação de vinho ou de suco de uva fermentado. As mais caras tinham menos álcool derivado de cana-de-açúcar, mas ainda assim não eram puras. Na popular categoria definida pela legislação brasileira como conhaque de gengibre, na qual a lei permite usar qualquer planta para gerar álcool, todo o etanol das bebidas veio da cana-de-açúcar.
Mas não são só os derivados de uva que estão na berlinda...
4. Sabe aquela história de cerveja feita com puro malte de cevada, o ingrediente mais nobre (e caro) das loiras geladas? Ela até existe, mas é uma raridade por aqui. Numa comparação com produtos da Europa, América do Norte, Japão e Austrália, as nacionais foram as campeãs no uso de cereais não malteados - provavelmente milho - em sua composição, em seu extrato primitivo. De 31 marcas nacionais analisadas, 28 continham o cereal em sua composição. Em média, o milho representava 48,7% da matéria-prima seca das cervejas feitas no país. As cervejas com malte mais próximo do puro foram as da Europa. No Brasil, desde novembro de 2001, até 45% do malte pode ser substituído por diversos tipos de adjuntos cervejeiros, o nome técnico dado a amidos, açúcares e outros cereais (geralmente não malteados) que podem entrar na composição da cerveja.
Os parágrafos acima foram transcritos da excelente matéria de autoria de Marcos Piveta, Traquinagens etílicas. Análises de átomos de carbono flagram adulterações no processo de fabricação de bebidas alcoólicas, publicada no já distante dezembro de 2003 pela revista online da FAPESP.
Minha dúvida atual é: as coisas melhoraram? Os otimistas conseguem provar?
19/08/2009
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11 comentários:
Enviei sua matéria para a doutora Regina Vanderlind da UCS e Università Bordeaux 2, trabalhando para o governo como fiscal de vinho, colega do curso de juiz de vinho internacional. Mesmo procedimento tive com Jefferson Sancineto Nunes, enólogo responsável por vários vinhos brasileiros, proprietário da Enolab.
Por que o desprezo pelas cervejas?
Talvez tenham até piorado. Dória, você acha que falta uma regulamentação mais dura?
Não,Leo. Não acho que o problema seja regulamentação. O Estado não tem sido bom regulamentador no que se refere à alimentação. No caso, acho que falta é vigilância da crítica. Enfim, menos babação-de-ovo, mais aprofundamento da perspectiva analítica.
Companheiros, não e pode negar a evolução que houve, ao menos no que tange aos vinhos, nos últimos cinco anos. Sugiro esperar a resposta das duas pessoas que convoquei, pois ambas são conhecedoras do "estado da arte" na matéria
O problema é o contrário: enquanto não chegam as tais "provas",o que se pode é negar a evolução que supostamente houve.
Cuidado, grande e desconfiado companheiro. Mais uma vez fico com impressão que a sua exigência de provas sobre o vinho brasileiro, se tem um lado positivo e saudável, apresenta igualmente um traço elitista e preconceituoso, disfarçado de rigor científico. Para isso, basta ler comentários olímpicos como este da babação de ovo que você repete à exaustão. Será que você está contaminado por algum lobby "cor-de-vino" andino ou simplesmente faço eu parte dos idiotas e ingênuos otimistas que se ufanam pelos vinhos de Santa Catarina, Campanha e Flores da Cunha?
Quero crer que o amigo, ainda que indignado com a minha implicância, tem convicção de que esses vinhos dos quais se ufana são feitos sem traquinagens. É uma boa notícia! Por isso as provas são sempre bem vindas. Agora, o rigor científico se exige de quem faz o vinho, não de quem toma. Estes apenas tem direito de saber como a coisa veio ao mundo.
Prezado Dória!
Como produtora e enóloga de vinhos da Campanha Gaúcha, posso responder pela minha empresa. A Cordilheira de Sant´Ana não só não realiza a chaptalização de até 3ºGL (técnica devidamente permitida pela legislação), como jamais se utilizou de um kg sequer de sacarose. O teor alcoólico dos nossos vinhos (14º GL para o Chardonnay, 13,8ºGL para o Tannat, 13,5 ºGL para o Gewurztraminer, 13,2 ºGl para o Cabernet Sauvignon e assim por diante) é 100% originário dos açúcares naturais da uva. Conseguimos isto através da implementação de práticas culturais adequadas em nossos próprios vinhedos, uma vez que não compramos uvas de terceiros. Mas, mesmo respondendo apenas pela Cordilheira de Sant´Ana, devo alertar que a vitivinicultura brasileira como um todo evoluiu extremamente nos últimos 5 anos e o texto de 2003 certamente não corresponde mais à realidade atual. Também tenho curiosidade em receber as informações dos técnicos indicados pelo Breno, mas não tenho dúvidas de que vivemos uma situação completamente diferente. Um pouco de babação-de-ovo, sim, seria muito bem-vinda. Estamos precisando ter o nosso trabalho reconhecido urgentemente. Seria ótimo se todos os críticos e escritores de matérias sobre vinhos brasileiros procurassem se atualizar! Felizmente, alguns já o estão fazendo. Gostaria de convidá-lo a visitar os nossos vinhedos e adega. Você certamente ficará encantado e verá que não devemos mais nada aos nossos vizinhos argentinos e chilenos.
Forte abraço
Rosana Wagner
Vitivinícola Cordilheira de Sant´Ana
Rosana,
obrigado pelos esclarecimentos,certamente utilíssimos para os leitores. Vamos aguardar mais esclarecimentos de outros técnicos.
Abraços
Dória
Ponto para o pesquisador. Cesar Adonis especialista em charuto e destilados escreve - Com relação ao item 3 realmente ele tem razão.
1o. Algumas marcas ainda teimam em colocar cognac ou conhaque no rótulo
2o. A maioria utiliza gengibre como materia prima base
3o. No ano passado depois de muitos anos a Campari, proprietária da marca Dreher lançou o Dreher Gold, este sim um Brandy com uvas
4o. Felizmente uma nova geração de produtores está produzindo Brandies de boa qualidade como Valduga, Aurora e Miolo com o custo equivalente ao que vendem.
5o. O resto continua produzindo um produto para "butiquim" ou para flambar o almoço no PF.
Abraço
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