29/09/2009

A construção do "tipico"

A identidade é vista quase sempre como o resultado da fruição do “típico”. Mas, o que é o típico?

Uma pessoa, formada em sociologia e que faz importantes pesquisas sobre a cozinha brasileira, formulou a seguinte tese: “A aplicação de ingredientes nativos às receitas seculares, assim como a incrementação de receitas indígenas e africanas com técnicas e ingredientes trazidos pela mão portuguesa continuaram a definir pratos nacionais”. Tese de quem pesquisa identidade, tipicidade, patrimônio culinário.

Mas, raciocinemos. O que são “receitas seculares”? As antigas com mais de 100 anos, é certo. E o que significa “a aplicação de ingredientes nativos a elas”? Digamos, fazer um pão de mandioca com receita proveniente de Portugal, onde era feita com farinha de trigo. Mas, na fórmula acima, não se para ai: para definir “pratos nacionais” é possível também incrementar as “receitas indígenas e africanas com técnicas e ingredientes trazidos (de onde?) por mãos portuguesas”. Mas por que elas precisariam de “incrementos”? São pobres na origem? As receitas, o que são? Invólucros vazios ou deficientes, imperfeitos?

Em termos resumidos: ou se descarta ingredientes portugueses para adotar nativos; ou se substitui, nas receitas indígenas e africanas, técnicas e ingredientes pelos trazidos – quiçá da Europa, ou Ásia ou África – por portugueses. O sujeito da frase culinária é sempre “os portugueses”.

É um caminho (e uma tese) muito tortuoso. Algo tem que ser sacrificado, substituído, para virar “nacional”. E sempre fica uma dúvida: o que orienta este processo? O “gosto” ou apreciação, ou uma necessidade férrea que, portanto, pode contrariar o gosto?

Mas é o que está na cabeça das pessoas que falam em sincretismo, em contribuições étnicas variadas para definir o nacional comestível. Por que não pensar simplesmente que o “nacional” é um conjunto de pratos apreciados pelos brasileiros, hoje ou no passado, pouco importando a origem?

A minha hipótese para uma resposta: é mais fácil teorizar sobre o assunto do que fazer levantamento exaustivo sobre o que de fato existe ou existiu. É mais fácil “criar pratos mentais-nacionais” do que investigar a diversidade empírica que mobiliza os brasileiros.

1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

O filósofo Nietsche posicionou o gosto em contra-posição do degustar; o estático contra o dinâmico, o estabelecido, aceito, conhecido, seguro e definitivo contra o novidadeiro, desconhecido, perigoso. Colocar o gosto em posição duvidosa, abrir-se a novas sensações é submeter-se ao eventual desgosto. Me parece que esta definição que opõe o gosto ao degustar pode bem contribuir a esta sua reflexão.

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