28/11/2009

Paladar verista ou impressionista?

Recebi as considerações abaixo do Roberto Smeraldi. Como ele é um camarada do movimento dos "sem blog", abrigo aqui a sua contribuição:


Irresistivelmente tentadoras as considerações de Dória sobre o verismo do prêmio Paladar. Agora, se o verismo foi o irmão italiano, com Verga, do naturalismo francês de Emile Zola, é importante observar que ambos eram filhos do realismo. E as duas características marcantes do realismo eram certa obsessão pelo rigor científico (inclusive na literatura) e a vinculação com o darwinismo evolucionista.

A contribuição desta trinca para a gastronomia é imensa: antes de compreender a função dos mercados da comida por vivência, mundo afora, eu aprendi isso no papel lendo o "Ventre de Paris", onde Zola nos revela os detalhes do Les Halles da época. Também, a meu ver, Escoffier aplica em sua inovação uma expressiva dose de realismo darwiniano, embora se distancie da dimensão socialproletária do naturalismo de Zola.

Bem, por minha experiência de três anos de jurado, o prêmio Paladar nunca foi realmente verista: não surgiram - e assumidamente - as preocupações típicas do verismo: medir com objetividade e precisão, definir condicionantes, traçar cenários de referência, captar a diversidade, ser justo, abrangente, acompanhar o processo evolutivo. A meu ver, o prêmio Paladar é baseado na instantânea de um momento. Ele é desprovido de critérios, tem fundamento na junção de um caleidoscópio de impressões. Isso mesmo: o Paladar não é verista, é impressionista. Como Monet, não se preocupa em definir contornos nítidos de seu objeto. Prefere sugerir tons, manchas, contrastes de luz e sombra. Não prepara a cor certa na paleta, para depois aplicar ela na tela, e sim distribui pinceladas dissociadas e pequenas, para criar uma impressão maior. Eis o porque de muitos jurados, e tão dissoantes. E eis porque o verdadeiro legado do prêmio, mais que no voto majoritário, reside na coletânea dos comentários. Aliás, esta coletânea só vai ao ar depois, e não vai no papel, mas acho que deveria. De passagem, e para mero lembrete: estamos todos devendo um aprofundamento sobre Monet em relação ao terroir. Mas é outro papo.

Parece que este prêmio Paladar impressionista morreu, e vai dar lugar a algum tipo de enquete eletrônica. Há uma incapacidade crônica nas sociedades humanas para fazer leituras históricas do presente; e aliás, haja humanidade no brasileiro... Precisa entregar qualquer coisa ao passado para passar a enxergá-la em sua inserção na história. De qualquer forma, ao decretar a morte súbita e prematura deste Paladar, se abriu, por tabela, um debate sobre sua função histórica. Vamos descobrir logo que ela foi maior mesmo do que pensávamos, para a sociedade, e não só para o mundinho dos gastrôlogos. Nesta perspectiva, a ruptura anunciada pode ser a provocação para fazer esta análise e identificar os verdadeiros desafios.

Mas este Paladar impressionista vai fazer falta, ainda mais quando percebermos o risco do casuísmo nivelador por baixo que se abriga nas enquetes, inevitavelmente geradoras de campanhas do clique, mercados do link e mobilizações de tribos. Cabe a nós, participantes desta jornada, direcionar os novos trilhos, isto é, se soubermos ser historiadores do futuro.

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