01/03/2010

A “semana barata”, a atração fatal e a atração banal

Luiz Américo, observador arguto e comentarista estimulante, andou pela rua Amauri e ponderou que “comer fora em São Paulo está tão caro quanto na Europa. As justificativas dos restauradores são as de sempre. Impostos, custos operacionais, etc. Mas na raiz existe um posicionamento equivocado dos preços. Como se todo mundo fizesse parte do segmento do luxo, como se todos vendessem alta gastronomia”. Isso enseja uma reflexão interessante, especialmente na semana consagrada ao “comer barato” ou São Paulo Restaurant Week.

À luz dos argumentos de Luiz Américo me pergunto: quanto vale uma boa refeição? Qual a fronteira entre a comida simplesmente honesta e bem feita e a alta gastronomia?

A alta gastronomia – seja lá o que for isso - é cara não necessariamente porque os ingredientes sejam caros, mas porque é única, exclusiva. Esse o verdadeiro sentido do “luxo” e o seu mercado se comporta mais ou menos como o mercado de artes, ou o mercado intelectual.

Uma pintura não tem preço. Nem o parecer técnico de um eminente jurista. O pintor e o doutor podem cobrar o que quiserem, sem qualquer compromisso “com o mercado”. Se você quer um advogado baratinho, ou um quadro simplesmente “decorativo”, pode ir atrás e encontrará. Então, não me parece que alguém que consiga fazer um prato extraordinário, sem paralelos, se comporte de modo distinto ao do grande pintor.

Mas o mundo é dos copistas, não dos criadores. Quanto vale uma cópia? Não vale muito mais do que a matéria-prima empregada e os demais custos de produção, inclusive um tempo de trabalho médio, de preço que se encontra no mercado. A cópia só é cara para quem a confunde com o original.

E por que as cópias são caras em gastronomia? Certamente porque há um mercado aquecido de cópias. Vende-se bem porque há gente que quer comprar o que “parece”. Essa é a lógica do mundo “fake”. Mas a fronteira não é clara. O que “parece” veio ao mundo para confundir a percepção, como facilmente nos enganamos no plano do paladar.

Muita coisa “parece” alta gastronômica sem sê-lo, pois não trás a marca do exclusivo, do único, da criatividade. Um paglia e feno bem feitinho será sempre um paglia e feno bem feitinho, mas seu preço depende de onde está à venda e a quem se destina. Em certos contextos esse prato simples tem papel primordial para reafirmar os hábitos sociais da elite.

O “verdadeiro gourmand” é o tipo que vai atrás do único, do exclusivo, do valor singular da experiência gustativa. A ele pouco importa onde esteja; se na Vila Guilherme ou na Austrália. Ele não mede esforços. Simplesmente se submete à atração fatal. Já o esnobe sabe se defender do impulso em direção ao estranho, pois ele vive numa espécie de bunker, inclusive do gosto.

Para ele é fundamental que o seu “luxo” esteja à mão, incrustado no seu modo de vida e naquele fliperama onde circula de Cherokee e outros motores potentes, parecendo um sujeito muito importante (e ele “é” importante: basta ver o olhar de admiração dos que o contemplam). Como nos ditos “jardins”, na rua Amauri. Junto com o prato, ele prefere pagar o adicional de um endereço como esse a ter que se mover para fora do círculo de giz onde vive, espaço onde será um qualquer. Prefere ver e ser visto pelos iguais, pois ama o mesmo, não a diferença.

Paulo Mendes da Rocha disse certa vez que a burguesia paulistana merece o estilo neoclássico. Merece Julio Neves. Merece a Daslu. E por que não mereceria Giancarlo Bola & seguidores, os “julios neves” da gastronomia? Certamente existe o paglia e feno neoclássico.

A partir dessa identificação vital, nada que se come na Amauri deve ser considerado “caro”. É barato para quem tem muita grana e não sabe fazer outro uso dela; nós é que não precisamos deambular por lá. Nada é feito para nós, pequenos burgueses com veleidades de outro tipo. Assim como nada é feito para nós no Mac Donald´s. Nós acreditamos que a qualidade não tem preço nem lugar; eles acreditam que a quantidade é a verdadeira qualidade, e sabem onde ela mora.

Nosso horizonte gastronômico se apóia em estabelecimentos diferentes; sejam caros ou baratos. Dentre os “em conta”, temos o Cosi, por exemplo. Ou o Le jazz – esse lugar despretensioso, que meia hora depois de abrir já tem fila de espera de 40 minutos! Eles servem de modelo para nós, que gostamos de comer uma comida honesta no dia-a-dia, sem aquele travo amargo de que pungaram nosso dinheirinho suado. Nós precisamos sempre economizar para, vez ou outra, nos dedicarmos ao festim gastronômico que seja caro para nossas posses.

O que quero dizer é que os preços serão sempre “justos” ao olharmos a quem se destinam. A lei do mercado forma o preço certo no lugar certo, hierarquiza os grupos de consumidores. Se freqüentarmos só os nossos “justos”, os nossos “injustos” desaparecerão. O “posicionamento equivocado dos preços” de que fala Luiz Américo se corrigirá; mas no lugar que não é feito para nós eles não se abalarão.

Aliás, qual a casa da rua Amauri que está no SP Restaurant Week?

1 comentários:

Patricia Pê Lopes disse...

Me levanto para parabeniza-lo por este texto! Em sua metade ja' tinha secura na boca e no' na garganta. PAR-RA-BENS!

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