12/07/2010

A revelação neocaiçara

Eudes Assis é um lutador. Sua história começa a ser contada pelas revistas de gastronomia, frisando sua origem humilde e seu espírito aventureiro. Mas é também um homem determinado. Quando Prazeres da Mesa publicou a primeira reportagem sobre ele, Eudes vislumbrou a possibilidade de se tornar um “chef revelação”, como acabou por acontecer.

Depois da reportagem, muitos blogueiros reproduziram as informações e acrescentaram outras. Foi dar um empurrãozinho nos clientes para votarem no júri popular e, depois, veio a opinião dos “críticos” e pronto!

Não votei nele, pois não conhecia o seu trabalho (esse o problema dos candidatos a “revelação”...). Só o havia visto rapidamente na noite de autógrafos de Com dentes, unhas & cuca, na Livraria Cultura. Assim, uma chegada ao litoral foi a chance de conhecer finalmente o seu trabalho no Seu Sebastião, em Maresias, litoral norte paulista. O restaurante não é dele - é dos donos do Os alemão (sic). Mas é como se fosse seu, pois só dá ele em cena. E, claro, me submeti a comer tudo o que indicou.

Nos seus pratos, produtos interessantes do litoral e da culinária caiçara. Taioba, inhame, banana da terra, palmito, peixes e frutos do mar. O Brasil ainda precisa de alguém que domine os produtos marinhos. Eudes pode ser essa pessoa, se investir nessa direção.

No primeiro prato, salada de pitu com vinagrete de caju. Excelente vinagrete. Sempre comi caju com sal, que fica melhor do que associado ao açúcar. Mas o pitu, em bom ponto de cocção, simplesmente não era pitu. Questionei. “É lagostim, pitu do mar. Os de rio o Ibama não deixa usar”. Well.

O segundo prato um robalo com palmito grelhado, banana da terra e um molho de taioba, telha de inhame. Muito bom uso da taioba – essa folha que, não se sabe porque, é desprezada pelas cozinhas cá do planalto. Um equilíbrio entre os elementos que inclusive roubava a primazia do robalo na denominação do prato. Para mim, foi taioba com acompanhamentos.

O terceiro prato, um risoto de alcachofra dentro da alcachofra acompanhando um camarão grelhado com redução de tangerina. Excelente a redução, assim como o camarão. O risoto, bem feito, gostoso, era, a rigor, dispensável. Para que alcachofra? Não encontrei teoria técnica ou emocional que sustentasse a combinação.

O quarto prato, um polvo crocante com purê de inhame, legumes crocantes e uma redução de caldo de legumes ao jerez. De longe, o melhor prato pela concepção, simplicidade, equilibro e boa execução. Deu vontade de pedir mais. O polvo, macio por dentro e crocante por fora, fica alongadamente na memória.

Eudes quer fazer uma cozinha neocaiçara. A idéia de terroir ele incorporou de tanto viajar pelos quatro cantos do mundo e ouvir sobre o seu papel estratégico. Eudes dá aulas também. E notei que mira a capital. Não é para menos. É bem duro manter um restaurante com apoio na sazonalidade do verão, olhando o calendário para pescar um fim de semana prolongado, etc etc.

Mas espero que ainda tenha um bom tempo no litoral, ampliando a identificação e utilização de produtos. Ai sim, um novo mundo se revelará através da sua própria revelação. E torço para que resista à sedução das culinárias de alginato & outras químicas, como algumas fontes mostram-no em namoro.

A sua força está na sua história, em considerá-la a sério, e na sua formação eclética. Não precisará ceder a modismos para ser reconhecido como “revelação”. Como a história de Sansão e sua força ensina, não se pode servir a dois senhores. Boa sorte, Eudes, são os votos de e-bocalivre.

1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

Legal que você gostou do Eudes. Levei o Eudes para dar uma aula no Espaço Gourmet da A Hebraica há alguns meses e ele fez um baita sucesso, com seu estilo contemporâneo de tratar os ingredientes e um linguajar super acessível, aliado a uma experiência internacional invejável. Entre tantas histórias, a dele começa com uma temporada no barco da família Safra, que o levou a viajar por um ano, mundo afora. E foi assim que para ele tudo começou...

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