08/10/2010

De novo o problema das raças brasileiras



Dna. Ana Rita Suassuna, com quem tenho me correspondido, mandou-me outro dia um e-mail onde se lê:

O Nordeste detem mais de 90% do rebanho caprino brasileiro e o Piauí é o maior produtor da espécie. A grande diferença é que os 7 a 8% restantes, que está praticamente no Sudesde é a parte do rebanho que tem qualidade genética e função econômica definida.

Há muito esforço no Nordeste para introduzir melhoramentos genéticos e definir claramente funções para esse rebanho: leite, corte, pele, pelo. A Universidade Estadual do Ceará e a Embrapa/Caprinos em Sobral-CE vêm empenhadas na pesquisa e formação de quadros específicos para o desenvolvimento da caprinocultura regional.

Meu marido era pediatra, pesquisador e inventor de tecnologias simplificadas . Produziu um equipamento para inseminação artificial de caprinos e ovinos que foi competitivo em relação aos importados de procedência francesa e americana. Acreditavam os pesquisadores que em tempo relativamente curto o uso da tecnologia iria possibilitar na região uma produção de leite de cabra capaz de atender a alimentação de crianças pobres sem maiores investimentos governamentais. Essa pecuária está nas mãos de pequenos, micro, micro, micro agricultores que criam na corda ,ou, de médios, que fazem criação extensiva. Retorno econômico absolutamente inexpressivo. ZERO em alguns casos.

O Piauí tem uma culinária muito rica: ingredientes do pequeno litoral e muita comida diferente do interior, inclusive bode e carneiro preparados ao leite de coco. Nunca encontrei esse preparo em outros locais. Mas... comidas do interior, de estado pobre .... não aparece em livros!!!

Sendo Teresina a única capital nordestina que fica no interior, a influência de crustáceos e de peixes de água salgada na alimentação típica é bem inferior àquela que se pratica nas demais capitais. O assunto é vasto e bom para conversas sobre o Piauí”.


Ao ler uma coisa assim estimulante, me ponho a pensar sobre a verdadeira compreensão que os cozinheiros profissionais têm sobre as raças brasileiras de animais. As nossas cabras são das raças Canindé, Moxotó, Gurgéia, Marota, Repartida, Rabo Largo. Para que elas servem, isto é, quais suas principais características úteis? Tirante alguns raros criadores e alguns técnicos da Embrapa, ninguém sabe.

E não se sabe por aquela velha razão: cozinha-se, nos grandes centros urbanos, de costas para o interior do país. A “baixa produtividade” de qualquer espécie é um falso problema, está claro. Ele só existe quando se está diante da mercadoria genérica. A “baixa produtividade” simplesmente não existe para o mercado de gastronomia, onde as coisas são ammenities, não commodities. Está claro!

Vejamos um exemplo. O queijo Idiazabal, feito com leite cru no país Basco, é produto exclusivo do leite das ovelhas de raça laxta. Ela estava praticamente extintas antes do boom mundial desse queijo no mercado gastronômico. A sua difusão, contribuiu decisivamente para a restauração da raça laxta. É um caso inequívoco de como a “gastronomia” pode servir ao objetivo maior da sustentabilidade. O terroir desse queijo foi definido em 1987 e salvou a raça tradicional, pouco “produtiva”.

Desde Darwin sabemos que os produtos naturais de um dado ecossistema têm suas características definidas de duas maneiras: pela hereditariedade (genética), que é fruto do isolamento relativo, e pela adaptação ao ambiente (coisa que os biólogos à sua época resumiam no conceito amplo de nutrição). As espécies domésticas variam na medida em que retêm os caracteres úteis para os criadores, transmitindo-os para as novas gerações. E se diferenciam também na relação com as outras espécies e com o meio-ambiente entendido como o clima, o solo, a alimentação disponível, etc. Assim, teremos variedades de uma mesma espécie (chamadas “raças” ou sub-espécies) adaptadas a diferentes ecossistemas. Para fazer uma raça, através da seleção artificial de caracteres, os homens levam muito tempo. Às vezes séculos ou milênios.

Ora, em breve teremos o Mesa Tendências, voltado para o tema da “sustentabilidade”. Francamente, é o tipo de discussão de baixo valor se não contemplar alguns produtos históricos dos brasileiros ao longo dos séculos.

O mapa acima, preparado pela Embrapa [a má qualidade da cópia é de minha inteira responsabilidade], mostra a diversidade de raças de animais domésticos brasileiros que vivem no limiar do desaparecimento. Se os brasileiros construíram essas raças, algum valor devem ter, não é mesmo? Não custaria aos “sustentabilistas” prestarem atenção nesse fato.

1 comentários:

Rubens Ghidini disse...

Professor, novamente venho parabenizar pela relevante postagem, desta vez versando sobre as raças malogradas pela "má gastronomia" (que não é gastronomia). Qual seria a solução para tal problema? Me disponho a ajudar...

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