14/10/2010

A educação do paladar do cozinheiro



A educação do paladar é como a educação do ouvido: no princípio, tudo é barulho e, por fim, musica; tudo é sabor e, por fim, comida requintada com sabores equilibrados.

Não se começa a tocar por partituras, mas antes explorando os instrumentos, tentando compreende-los, dedilhando as cordas, pressionando as teclas. Depois, prestando atenção em como os outros tocam, ou ouvindo musicas e tentando imitá-las. Por fim, aprendendo escrita musical para ler partituras. Na cozinha, tenta-se começar pelo fim – pela partitura. E se amaldiçoa o “maestro” se ele não escreveu uma partitura para principiantes, inclusive ensinando a afinar o instrumento!

Compra-se livros de partituras culinárias e lê-se as notas uma a uma, com detalhes de gramas. Se – como diria Tim Maia – “o som não sai legal”, deixa-se de lado o livro de receitas e as esperanças.

Com diz Nina Horta em sua crônica de hoje: “a linguagem oculta da cozinha também pode ser um obstáculo. É preciso estudá-la como estudamos qualquer outra matéria. Claro que alguns terão mais facilidade do que outros, alguns vão parecer que nasceram sabendo, alguns vão desistir e mudar de rumo, tudo igualzinho às outras disciplinas do vestibular. Estudo, experiência, memória, imaginação, abertura, prazer, ritmo, astúcia e a visão da comida como uma língua a se aprender e que devemos interpretar segundo nossas possibilidades e vivências”.

Mas cozinhar é muito simples, mais simples do que tocar um instrumento e, dele, “tirar” uma música. Mais simples porque o seu paladar lhe acompanha desde sempre e, como no caso da música, é preciso confiar nele como guia. Se o ouvido leva do barulho à musica, por que o paladar não poderia nos conduzir do caos gustativo ao prato?

Começa-se com melodias simples: uma carne temperada com sal e simplesmente cozida. Uns legumes cozidos, aos quais se espreita, cutucando com um garfo, para que não passe do ponto que você imaginou; um arroz refogado, ao qual se vai colocando água até ficar no ponto desejado, e assim por diante. É simples porque qualquer coisa pode, segundo esses livros exigentes, levar “sal a gosto”. Dia a dia, conquista após conquista, vai se avançando em direção a pratos mais complexos e se verá que quase tudo, a rigor, é “a gosto”.

O fato é que não se parte da quantidade de ingredientes das receitas mas, sim, do bom senso de cada um, porque o prato só estará pronto dessa perspectiva – não quando chegar a corresponder ao juízo do escritor da receita.

Uma vez, contei a um grande chef frances como eu fazia determinado prato que ele estava demonstrando; e ele retrucou: “- Assim o senhor faz na sua casa, na minha eu faço à minha maneira”. Parecia uma grosseria, mas era, na verdade, um grande ensinamento. Cada um à sua maneira. Ou será que os músicos tocam todos iguais?

Por isso não acredite quando lê: pique uma cebola média; 10 cravos; 125 gramas de açúcar; 75 gramas de manteiga, etc. Coisas assim não dizem nada, e certamente não levarão ao resultado que já existe pronto na sua cabeça.Prefira receitas como a que li num livro português: 3 a 5 sardinhas, dependendo do tamanho delas e da fome dos comensais... Nada mais preciso, pensando bem!

5 comentários:

Ricardo Neves Gonzalez disse...

Carlos, é isto mesmo. Faço aqui na minha cidade um trabalho com pães artesanais muito bacana e uma das coisas que mais gosto é o foco ´artesanal`que imprimo a meus trabalhos. Sei que o correto, ou talvez o absurdo do correto seja o estar errado, por ter sido assim, a nós imposto.
Portanto, como poderei experimentar a diversidade amarrado a medidas exatas, pesadas em balança se a grande vantagem, as grandes descobertas do homem residem no espectro infinito de tentativas, erros e acertos?
Sei bem do que fala em capítulos de seu recente e brilhante Com Unhas Dentes e Cuca. Como poderia eu, chegar a um Strudel Judaico, sem experimentar, inovar,ousar, na cozinha? Sim, meu Strudel Judaico é um pão onde uni a massa do Challah à concepção de um verdadeiro Strudel. Criei aí um Pão da Paz unindo duas culturas antagônicamente e históricamente díspares num mesmo alimento, e fez um sucesso, e ainda faz, incrível. Como seria isto possível sem esta descompostura, esta ousadia de se fugir de medidas padrão, receitas prontas, arghhh!! Eu odeio tudo isto!
Belo blog Dória, estarei sempre por aqui!
Ricardo Gonzalez
Padeiro Artesanal

e-BocaLivre disse...

Ricardo, a indústria sim segue fórmulas precisas. No artesanato o que vale é justamente fugir delas, o que pode levar à criação em padrões satisfatórios. Gostei de você se auto-intitular "padeiro artesanal". Abraços

Unknown disse...

Meu caro Dória, você está se superando!
Este texto fala de coisas que sinto. Detesto o que chamo de "dogmatismo burro dos livros de receita" (desculpe o pleonasmo, já que o dogmatismo é burro por natureza). Já fui acusado por amigos de sonegar receitas por não falar de medidas exatas, o que não faço simplesmente por não saber. Há mais coisas entre um tomate e outro do que possa imaginar nossa vã filosofia, já que tomates nunca são iguais. Na hora de agregar ingredientes há muito de intuição e experiência.
Adoro as expressões "a gosto" e "o quanto baste" porque desafiam, chamam o cozinheiro a apresentar suas armas e criatividade. Desculpem os que não sabem "o quanto basta", mas eles precisam afinar seus ouvidos e paladar, ou irão condenar seus comensais ao sabor das repetições.
Conto um pouco de meus feitos inexatos no modesto www.cozinhaadois.wordpress.com. Sua visita será uma honra.
Abçs

Ferreira Carvalho disse...

Talvez a cozinha seja a última atividade humana feita com toda complexidade do corpo e da alma e aí cada um é um universo. É a última das profissões que não pode ser transmitida sem o contato físico. Um artesão medieval apendia a esculpir trabalhando ao lado do mestre que não assinava suas obras. Fizeram catedrais que estão aí desafiando nossa pretensão de entender. Hoje o artista plástico estuda nas universidades, assina suas obras, e pouco importa a figura de um mestre, mas a cozinha continua a ser transmitida olhando, cheirando, mexendo, provando. O “mestre” permanece talvez em fragmentos, na figura da mãe, da cozinheira da família, da professora de culinária e outras vezes, na figura do chefe estrelado. Será que isto ajuda a entender o ego do cozinheiro? Não sei se concordo que a cozinha tem de ser estudada como se estuda qualquer matéria. É preciso mais. Dizia meu velho amigo francês que são os 5 sentidos que definem o ponto de fritura do bife. Só cheirando, ouvindo e olhando se pode conhecer a temperatura certa da manteiga. Sem o cheiro suave de avelã, o ruído delicado da manteiga quente e sem a ligeira fumaça que se desprende, não há como saber se está na hora de colocar a carne na frigideira. E há ainda o calor da mão que faz crescer a massa, a jeito de misturar os ingredientes que faz a diferença, a forma de mexer o molho que é de cada um. Na cozinha das Sinhás panela mexida por mulher menstruada desandava na certa e nunca se viu gente de sem generosidade acertar o ponto do doce. Em algum lugar tudo isto faz todo sentido, talvez nos falte a coragem para refletir. Que bom que tem gente para pensar no assunto!

Débora Fontenelle (debora@sconline.com.br)

Anônimo disse...

Falando em foco artesanal, voces viram a padaria que abriu em SP com pães orgânicos? Um lugar que eu adoro para comer pão artesanal quentinho é no Emporio São Thomé, o atendimento é de primeira e bem caseiro e rústico o lugar. Lá na freguesia do ó. E um site que eu uso para pedir comida vegetariana muito boa é o www.just-delivery.com.br quem não tem muito tempo como eu e fico fora de casa praticamente o dia inteiro, acaba virando experts em restaurantes bons! rs... Ah! o site tem outras opções além de vegetariana e o empório outras além de pão...
Bjs!

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