A primeira tentação ao se falar de uma culinária nacional é ir à busca da comida popular. Não estamos falando da comida popular no sentido daquilo que “as pessoas realmente comem”. Estamos falando de um ponto de vista gastronômico e a relação entre ambos é, já, problemática.
Por exemplo, é uma grande ilusão pensar que as pessoas do povo comem a comida “regional” conforme a conhecemos por livros e estudos referenciais. Há pesquisas, pelo menos para as regiões metropolitanas do Brasil, que provam que não é assim. Então, há uma primeira contradição a resolver: se as pessoas não comem, massivamente, o que tipifica o “nacional” onde devemos busca-lo e qual o sentido de reiterar aquilo que, no máximo, foi vigente no passado?
Uma solução normalmente buscada tem sido explorar as tradições étnicas. Estas se desdobram pelo tempo e pelo território, de modo desigual e combinado, e nada nos diz que não seja um bom caminho de pesquisa: a comida dos índios, a comida dos negros, a comida dos ibéricos que colonizaram o país, assim como a comida dos imigrantes que chegaram mais recentemente - real ou imaginária, configura um ponto de partida como outro qualquer. Tudo é válido, mas disso não resultará necessariamente a modernidade culinária nacional que depende, essencialmente, de um novo olhar ou ponto de vista analítico.
E qual é ele? Ele será constituído por uma espécie de consenso entre os chefs, críticos e público em torno dos sabores que aludem à brasilidade, às técnicas e aos ingredientes. O conjunto deverá permitir que contemplemos esta vasta obra sedimentada por várias contribuições e digamos: isto é o Brasil de comer, de um ponto de vista moderno e universal. As “modas” que despontam aqui e ali servem, de certo modo, para ir formando esse consenso.
Vejamos um exemplo: o brigadeiro. De uns tempos para cá, virou uma febre. Lojas especializadas passam a vender esse produto “autenticamente nacional” com uma função mais ou menos parecida com a trufa de chocolate em outros contextos gastronômicos. Nela, existe já uma submissão do gosto à moderna indústria: o leite condensado. Leite condensado que penetrou a doçaria brasileira moderna de norte a sul: ele está tanto associado ao cupuaçu, no Pará, quanto à doçaria de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Parece mesmo um grande achado, apesar da sua mediocridade gastronômica.
(Segue nos próximos posts)
11/11/2010
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3 comentários:
Gostei muito dos dois.
Espero pelos próximos.
Olá, Dória. Sou fã do seu blog há tempos e carrego uma bandeira há mais tempo ainda. O problema é que o brasileiro tem baixa auto-estima e o que chamamos de "nacional" é, na verdade, o prato comercialmente viável e, por vezes, banal. No nosso restaurante (o Bazzar, no RJ), carregamos a bandeira "locavore", o que é bem diferente de fazer uma preparação "típica" ou clássica, a que muitos associam a comida de turista. É trabalhar com ingredientes regionais e nativos. Esse é o caminho (espero) da gastronomia nacional, dado que somos um país com dimensões continentais e com uma riqueza absurda de ingredientes em cada Estado. E viva a diversidade. Parabéns mais uma vez pelo blog, sempre ótimo. Cristiana Beltrão
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