06/02/2012

Ipupiara

Fernão Cardim nos dá notícia do terrível monstro ao qual os naturais da terra tinham tão grande medo que "só de cuidarem nela morrem muitos, e nenhum que o vê escapa"; e descreve-os como "homens propriamente de boa estatura, mas tem os olhos muito encovados. As fêmeas parecem mulheres, têm cabelos compridos, e são formosas". Gandavo, em sua História da Província Santa Cruz, fala do hipupiara que, na língua indígena, quereria dizer "demônio d'água". Descreve-o como tendo" quinze palmos de comprido e semeado de cabelos pelo corpo, e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes", e que "levantou-se direito para cima como um homem ficando sobre as barbatanas do rabo". Sua descrição diz respeito a um ataque do "monstro" em 1564, em São Vicente, contra Baltazar Ferreira. Este mesmo episódio é descrito por Gabriel Soares de Sousa nas seguintes palavras:

"Não há dúvida senão que se encontram na Bahia e nos recôncavos dela muitos homens marinhos, a que os índios chamam pela sua língua upupiara, os quais andam pelo rio de água doce pelo tempo de verão, onde fazem muito dano aos índios pescadores e mariscadores que andam em jangada, onde os tomam, e aos que andam pela borda da água, metidos nela; a uns e a outros apanham, e metem-nos debaixo da água, onde os afogam; os quais saem à terra com a maré vazia afogados e mordidos na bôca, narizes e na sua natura; e dizem outros índios pescadores que viram tomar êstes mortos que viram sobre água uma cabeça de homem lançar um braço fora dela e levar o morto; e os que isso viram se recolheram fugindo à terra assombrados, do que ficaram tão atemorizados que não quiseram tornar a pescar daí a muitos dias; o que também acontece a alguns negros de Guiné; os quais fantasmas ou homens marinhos mataram por vêzes cinco índios meus; e já aconteceu tomar um monstro dêstes dois índios pescadores de uma jangada e levarem um, e salvar-se outro tão assombrado que esteve para morrer; e alguns morrem disto. E um mestre de açucar do meu engenho afirmou que olhando da janela do engenho que está sobre o rio, e que gritavam umas negras, uma noite, que estavam lavando umas formas de açucar, viu um vulto maior que um homem à borda da água, mas que se lançou logo nela; ao qual mestre de açúcar as negras disseram que aquele fantasma vinha para pegar nelas, e que aquele era o homem marinho, as quais estiveram assombradas muitos dias; e destes acontecimentos acontecem muitos no verão, que no inverno não falta nunca nenhum negro" (Gabriel Soares de Sousa, Tratado Descritivo do Brasil em 1587).

Fernão Cardim melhor detalha o modo pelo qual matavam suas vítimas: "abraçam-se com a pessoa tão fortemente beijando-a, e apertando-a consigo que a deixam feita toda em pedaços, ficando inteira, e como a sentem morta dão alguns gemidos como de sentimento, e largando-a fogem; e se levam alguns comem-lhes somente os olhos, narizes, e pontas dos dedos dos pés e mãos, e as genitálias, e assim os acham de ordinário pelas praias com estas coisas menos".
Ainda Cardim, no capítulo dos lobos d'água, cita o baéapina, "certo gênero de homens marinhos do tamanho de meninos, porque nenhuma diferença tem deles; destes há muitos, não fazem mal".

Spix e Martius, tão rigorosos observadores, não se sabe por que, fizeram paralelos aparentemente gratúitos entre eles e o currupira pois, "assim como este, escreveram, infesta as densas matas, tornando-as pouco seguras. Crêem os indígenas das margens dos grandes rios que as águas são povoadas por outros demônios, chamados ipupiaras. Este termo, que significa "senhor das águas", parece ser o mesmo de que usam os índios habitantes do profundo interior, para um monstro de pés virados para trás ou tendo uma terceira coxa a sair-lhe do peito de quem a gente tanto mais se aproxima, quanto mais crê afastar-se dele, e que sacia o seu ódio no viandante solitário, estrangulando-o com os braços cruzados".

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