09/07/2014

A cozinha e o amor

Atualmente, talvez nada apareça com maior frequencia associada ao termo “cozinha” do que a palavra “amor”. “Cozinhar com amor” parece ser o mantra que supera todas as adversidades da vida, colocando o sujeito num plano superior de existência. O próprio Hervé This, um homem dedicado às ciências naturais e em colaboração com Pierre Gagnaire (La cuisine c´est de l´amour, de l´art, de la tecnique, Paris, Odile Jacob, 2006), estabeleceu essa mesma equação. Mas, qual é a relação entre os dois conceitos?

Hervé quer saber se a cozinha é um affaire d´amour. Depois de tanto se dedicar à química e física na cozinha, resolveu investigar os aspectos simbólicos do cozinhar que possam se materializar na coisa comestível. Portanto o caminho que explora pode servir de parâmetro para outras investigações de  natureza semelhante: a magia, a homeopatia, e por aí vai... bastando que nos deparemos com a ideia de eficácia material do simbolismo.

Imaginei também tratar desse tema no Formação da culinária brasileira. Escritos sobre a cozinha inzoneira mas, de ultima hora, desisti de incluir no livro o escrito que havia preparado. Isto não quer dizer que o assunto me abandonou ou eu o abandonei. Tão fácil dizer bobagem sobre isso - e os meios de comunicação estão cheios delas - que é melhor a cautela. Mas, vamos lá, exploratoriamente.

Não é fácil definir o amor, tantas são as suas formas reais. Portanto é necessário escolher um claro ponto de partida para desenvolver o raciocínio. Deixando de lado a pieguice, digamos que o amor é esse sentimento egoísta no qual me satisfaço ao infrigir satisfação ao outro. A troca que existe nele é de satisfação X satisfação, que, na cozinha, assumirá a forma particular de fazer X consumir.


É fácil delimitar o prazer de consumir a partir dos nossos aparelhos fisiológicos e mecanismos simbólicos: posso até gostar de algo que venha envolto em significados que me são caros, mesmo quando o sabor percebido não seja tão apreciado.

Já o prazer de fazer é mais complexo. O cozinheiro precisa, primeiramente, saber algo da cultura culinária. Em segundo lugar, extrair de um amplo repertório uma receita que me caia bem, expressando seu apreço por mim. Em terceiro, precisa imprimir naquela receita algo que o particularize como executor, conferindo sentido único à oferenda. Nesse caso pode também ser algo exibicionista, pavoneamento.

Como em geral nas práticas sociais de doação os papéis se alternam no tempo (quem recebe tem a obrigação social de retribuir), todos terão oportunidade de ocupar os dois polos da relação.

Procurei mostrar no caso do “estilo feminino de cozinhar” (Formação..), que a satisfação é mais fácil na relação mãe-filhos, ou no âmbito doméstico em geral. A razão é se conhecer melhor as idiossincrasias de cada um. Quem cozinha pode se ajustar a quem vai comer através desse tipo de conhecimento, favorecendo aquela comunhão de propósitos que satisfaz. É inegável que o ovo frito com a gema no ponto que você gosta expressa esse acolhimento que quem cozinha quer lhe proporcionar.

Seguro que tudo o que ocorra no âmbito doméstico pode ter essa marca distintiva e,  pela recorrência, é assim que o próprio gosto se forma como medida das coisas que se comerá fora de casa. Mas, e o que ocorre no âmbito público, em um restaurante por exemplo? Muito difícil estabelecer. Fica para outra vez, se eu conseguir avançar.

1 comentários:

Taís disse...

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