13/07/2015

Agonia da ostra

Ostra fresca é ostra viva. Vida encapsulada numa casca óssea, o esqueleto por fora a proteger sua fragilidade. A vida é frágil, e impossível saber por que os homens dos sambaquis foram buscar essa vida recôndita na concha, com tanta vida errante em volta. A vida fixa da ostra, escondida, submarina. E deixaram aquelas montanhas de casca como monumento à própria onipotência diante da ostra, pois sem a noção de superioridade da espécie humana, como se destacar do conjunto dos viventes?



Certa altura inventou-se uma faca específica para abrir a ostra, pondo a vida a nu. E com a mesma faca corta-se aquela carne que a liga à concha defensora. Resta a vida solta, flutuante, indefesa. Há quem a coma assim, quando pode se insinuar a ideia de que, viva, talvez nos coma por dentro. E surgiu pingar sobre ela uma gota de limão, como se dispõe sal sobre a lesma que agoniza. O ácido lhe dissolve a vida aos poucos, como se vê pela leve contração das bordas do músculo, retração milimétrica conformando o corpo que resta quando a vida se vai. A vida é o estado expandido do ser. Como antes não se movia, é a agonia que atesta que ali havia uma vida. “Está fresca!”, é o último pensamento antes de mergulha-la goela abaixo, enquanto a vida bate em retirada.

É o assassinato mais barato que o mercado oferece. Não custa mais do que R$4,00 por indivíduo ao qual se tira a vida. Os assassinos mais frios comem uma dúzia em menos de meia hora. E quantos outros assassinatos ela evita assim! Quanto prazer em matar se esvai ali, sem que seja necessário molestar outras classes de viventes. 


Há um altruísmo no modo de ser ostra. E a discrição de quem quer passar despercebido: ao final, nem um gemido, nem uma gota de sangue. Sequer assiste ao próprio fim, pois não tem olhos. Na sua evolução, a ostra fez-se conforme ao comedor. E quando isso lhe provoca tremenda intoxicação é porque não percebeu que a ostra ainda não estava pronta para o exercício do altruísmo. 



2 comentários:

Fátima Moura disse...

Credo, nunca mais vou comer ostra sem pensar neste texto. Desmancha-prazeres. Noutro dia também li algures que os caracóis são animais sacientes.

Breno Raigorodsky disse...

A ostra foi exposta de modo insensível. Ela esconde segredos, ouve tudo e nada diz (quieta como uma ostra). Ela se defende como pode, fica comendo tudo que passa por dentro de sua bivalve casca. Além disso cria terroir em lugares onde habitou influenciando entre outros Sancerre e Bourgogne. E, se bobear, transforma-se ostra em pérola... Ora, não tenho pena não, pode passar a faca e mais meia dúzia!

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