15/08/2015
As pâtissières na berlinda
Fenômeno paulistano digno de nota: as mulheres tomaram conta da pâtisserie, assim como os homens da coquetelaria. O masculino do start e o feminino do finish.
Há excessões na pâtisserie: Arnor Porto, Flavio Federico, Rafael Protti. Mas estamos falando de Mariana Dias, Vivianne Wakuda, Renata Arassiro, Saiko Izawa, Antonia Sato (que um dia vai dar as caras publicamente) e outras.
Sim, com ênfase em descendentes de japoneses. Talvez pelo treino familiar na moderação do açúcar elas adquiriram destaque nesse movimento surdo e renovador, pois essa coisa nasce, em primeiro lugar, da habilidade em domar o sabor doce (isso sem falar das garotas do chocolate, como Luisa Abram e Claudia Schultz).
Na medida em que isso se desenvolve, vai ficando mais e mais claro o arcaísmo da maioria das sobremesas de restaurante, expressão da pouca habilidade dos chefs em prepara-las. (Aqui também há exceções, e vale destacar o Mani como uma delas).
Os chefs, não raro, consideram sobremesas um “problema”, não um capítulo do que acham que é “arte culinária” digna de sua dedicação. Em geral não dão conta sequer das frutas da estação. Muitas vezes quem tem que descascar esse pepino é o gard manger. Ou, então, os próprios chefs tem a genial ideia de recuperar as memórias e as receitas de família. Um desastre. O leite condensado é o último bastião dos incapazes de produzir pâtisserie de qualidade (menção especial para o pudim e para o brigadeiro - de colher ou não).
E tem as modas, às quais pagam tributo: depois de um tempo, começaram a inovar o petit gateau! De doce de leite, por exemplo! E por que não um mil folhas? Ai preferem a massa Arosa, feita com margarina, que deixa aquele gosto seboso na boca, a uma autentica massa folhada. Dá muito trabalho e é mais cara... Os sorvetes? Esses eles terceirizam. Mas não estão dispostos a pagar mais do que R$ 40 por quilo, e portanto raramente encontram bons fornecedores.
A questão é simples: pâtisserie é um ramo especializado da gastronomia e exige muita técnica e muito treino. Por isso nos bons restaurantes do mundo todo há sempre um chef que assina esse capítulo do cardápio, não se confundindo com quem pilota os pratos salgados. O fato de a maior parte dos restaurantes entre nós não apresentar essa solução deve-se ao “custo alto” e, digamos, à vaidade.
Quando o propósito é enlevar o espírito, encantar, “custo alto” mesmo é o leite condensado... Mas as invenções de novas sobremesas tem se incrementado ultimamente em alguns poucos restaurantes. Por trás, sempre há uma boa pâtissière; uma infraestrutura adequada, treino, talento.
Para aqueles chefinhos que sequer se alinham com as frutas da estação, é hora de reconhecer o óbvio, dar nome aos bois, chamar a atenção da clientela para essa especialidade, demolir as concessões feitas à tradição doméstica ou ao que se supõe ser o gosto arraigado e açucarado do público; e, claro, superar a vaidade que os obriga a assinar todo o cardápio. Convenhamos, não há vergonha alguma em “terceirizar”. É apenas necessário abandonar a onisciência.
Por fim, por que a a midia, os foodies & que tais se fixaram recentemente na figura do antigo barman (atual bartender), “valorizando” a profissão e as habilidades? Os barmen até já tem “nome”! É preciso que os chefs acordem para promover também, em seus restaurantes, a revolução que pulsa silenciosa lá fora.
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3 comentários:
BRAVO!
infelizmente no Brasil o Confeiteiro é visto como a dona de casa que faz brigadeiro, ja vi anuncios de 1200 reais (serio!), e não como um profissional que estudo ate quimica,e as vezes se formou na europa.
Eu to achando dificultade a vender meus doces italianos revisitados com o sabores Brasileiros, porque o cliente nao sabe como sao feitos,e nao quer gastar uma grana. Ai se e´ o Flavio Federico tudo bem eles gastam. Entao gostaria que o senhor me visitasse assim podemos condividir essa paixao pela confeitaria, e vou ter a chance de falar com uma pessoa competente. Trabalho na Gelateria Blu em Moema. Minha pagina facebook "Davide Vallieri Pattisiere" obrigado!!
Parabéns pelo texto e pelas informações Carlos. Pessoas como você fazem bem ao nosso país.
Em 24 anos de trabalho já ví muita coisa acontecer no mercado e ainda me surpreendo a cada dia.
Mudanças por modismo ou por questões econômicas. Acredito, sim que tudo precise sempre mudar para melhor, mas também acredito que podemos e devemos usar leite condensado como ingrediente físico e cultural, pois é algo de nossa cultura e raiz.
Mulheres tem bastante sensibilidade e isso é um grande plus para elas na profissão. Gosto muito disso tudo.
De qualquer forma, o importante é que seja bom para todos, pois o mercado é grande e cabemos todos nele.
Aproveito para pedir licença para falar ao Davide Vallieri sobre a dificuldade em vender doces.
Eles não vendem mais ou menos por serem assinados por mim. Aliás, negócios são negócios e todos passamos por dificuldades e alegrias no mercado. Não acredite em tudo que ouve ou vê, pois a realidade nua e crua só cada um de nós que sente na sua própria pele sabemos o que é.
O que precisamos na confeitaria, no país e no mundo todo é nos unirmos para um bem comum, de paz e amor, pois é isso o que falta.
Muita luz a todos e obrigado pelo espaço
Abs
Flavio Federico
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