23/02/2009

O vinho e a economia da singularidade



As características comuns dos vinhos provêm das qualidades sensoriais - os comentários e as notas de um júri que pratica a degustação cega (prova cega) - e as qualidades objetivas que constam no rótulo das garrafas: a classificação, a denominação de origem e o millésime. Mas na classificação das contribuições relativas para o preço global do vinho, a classificação e o millésime estão nos primeiros lugares, enquanto que "tomados uma a uma, as características sensoriais têm muito pouco efeito sobre os preços". Assim, os componentes elementares do gosto do vinho exercem apenas uma fraca influência sobre o preço global do vinho e o inverso é verdadeiro para as informações que constam no rótulo da garrafa enquanto que não são características, mas, diferentemente, indicadores das qualidades.
A fim de explicar que os consumidores não utilizam as qualidades sensoriais para avaliar o vinho, os autores formulam duas interpretações: seja que a clientela profana não sabe reconhecer as dimensões sensoriais, seja porque ela se define por uma pluralidade de orientações que demandaria uma pluralidade de características, o que conduziria ao mesmo resultado estatístico. O segundo termo da alternativa é pouco provável.

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Nenhuma decisão resultante de um cálculo pode ajudar-nos a distinguir o "bom" restaurante, o bom vinho, o bom médico, o bom consultor de empresa, o bom aparelho hi-fi, a boa interpretação de uma obra musical gravada. O julgamento pode. Como definir este operador geral do mercado das singularidades?

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Há duas ou três décadas, o complexo cultural unido à atividade dos grandes vinhos desenvolveu-se vigorosamente. Composto principalmente por peritos e jornalistas, multiplicou as suas intervenções com publicações especializadas “guias, revistas e livros” e pelos meios de comunicação social. Produziu e transmitiu inúmeros conhecimentos sensoriais, históricos ou culturais, suscitou e ratificou as novas práticas e os novos produtos e, para alguns grandes vinhos, independentemente da sua transformação material, ano após ano, elaborou o repetido discurso da celebração que explica a transformação destes vinhos em “obras de arte” e/ou “bem de luxo”. Estas metamorfoses produziram os seus efeitos nas mudanças do valor simbólico, do gosto, dos preços e da clientela.

Lucien Karpik, L´économie des singularités, Paris, Gallimard, 2007 (Trechos selecionados. Tradução de Joatan Berbel)

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